O presidente solitário e o candidato que não parece se afetar com a crise política

 
É, sem dúvida, impressionante o nível a que a classe política está rebaixando o debate e a ação pública no país. Não passa semana sem que novas baixarias sejam perpetradas com epicentro em Brasília.
“O cinismo na política brasileira atingiu um nível insuportável.”
Evaldo Cabral de Mello, historiador, Época 10.04.06
“O Brasil vive uma crise de ausência do limites.”
Roberto da Matta, antropólogo, Época 10.04.06
Tudo isso só faz corroborar a opinião do economista Luciano Coutinho de que, hoje, o principal problema do Brasil é político e, não, econômico (ver a respeito número 575). E as repercussões na ação dos políticos pode ser muito bem observada, nesta época eleitoral, na postura do presidente Lula.
“A economia está blindada e Lula cada vez deixa mais claro que seu foco na eleição são os pobres, aquelas pessoas que dependem de políticas públicas e nem se importam se caiu ministro ou não.”
Francisco Fonseca, cientista político, FGV
Embora essa “blindagem” seja relativa, uma vez que o crescimento do país é bem menor do que o mundial (ver a respeito o número anterior 581), o efeito prático é que, pelo menos internamente, a economia não incomoda. A partir dessa base, o presidente construiu uma forma de lidar com a realidade que ignora solenemente a séria crise política que o cerca e o tem deixado cada vez mais solitário no exercício do cargo de presidente. Como se não se importasse com isso, tem agido com bastante desenvoltura como candidato à reeleição.
“O candidato Lula expulsou o presidente Lula de cena (…) o candidato Lula enfrenta uma crise de amplas proporções mas permanece de pé.”
Revista Veja, 12.04.06
O candidato Lula, amparado pela grande experiência de comunicação direta com a massa, adquirida pelo sindicalista Lula, fala com o povo, sem intermediários, dizendo o que os eleitores querem ouvir.
“Lula nem está aí para essa solidão política e administrativa. Ele despreza tanto a política quanto a administração. Gosta de outra coisa, de povo em volta dele, das liturgias do poder, de andar na carruagem ao lado da rainha da Inglaterra, de beijar e ser beijado pela gente humilde (…) a maioria do eleitorado não quer saber de política, quer saber de Lula, que sabe falar o que ela quer ouvir, seja ou não verdade.”
Carlos Heitor Cony, Folha de S. Paulo 06.04.06
As pesquisas, mesmo as mais recentes, têm mostrado que essa tática, até agora, tem dado certo. Se dará até a eleição é impossível antecipar.
“Lula é como um boxeador numa longa luta de 15 assaltos. Há muito tempo ele está levando socos na linha da cintura. Eles dificilmente derrubam, mas enfraquecem e desgastam o presidente.”
Marcos Coimbra, Época, 10.04.06
Muita água ainda vai rolar até outubro, inclusive porque, com os resultados das últimas pesquisas, embaralhou o quadro dos adversários na disputa. Até Itamar Franco foi ressuscitado pelo PMDB como candidato a candidato. Seria engraçado, se não fosse apenas triste.

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