Eleição divide o país em dois:Norte contra Sul e pobres contra ricos

 

Além de possibilitar uma melhor visão das principais intenções dos candidatos à presidência da República, o segundo turno está deixando evidente um fenômeno que não ficou muito claro no primeiro: a divisão do país em duas partes bastantes distintas.

“Uma diagonal cruzou o Brasil do Acre ao Rio de Janeiro como num novo Tratado de Tordesilhas. As regiões Norte e Nordeste seriam a ‘América’ de Lula. Centro-Oeste, Sul e grande parte do Sudeste são o continente de Alckmin. Neste corte transversal, os votos de Lula estariam na metade superior e os do candidato tucano na metade inferior.â€?

Revista Dinheiro, 11.10.06

Quando se observa que nos Estados do Nordeste entre 42,1% e 50% da população vive em famílias atendidas pelo Bolsa Família e que nesses estados Lula teve no primeiro turno entre 56,1% a 80% dos votos válidos, é possível fazer a relação responsável pelo fenômeno da divisão do país pelo voto. Nas outras regiões (Centro-Oeste, Sudeste, Sul), a votação seguiu a mesma tendência. Nelas, a Bolsa Família atinge entre 10% e 26% dos habitantes e Lula teve entre 20% e 44% dos votos válidos. O desempenho de Alckmin segue exatamente o mesmo padrão, mas de modo inverso.

“O mapa do Brasil com a incidência por Estado do atendimento do Bolsa Família, por exemplo, é um ‘decalque’ da votação obtida por Lula na maioria das unidades do país.â€?

Folha de S. Paulo, 15.10.06

Se quanto mais carente o estado, melhor a votação de Lula, esta “geografiaâ€? evidencia um problema mais complexo. Esse diálogo ocorrido num shopping da capital paulista, no fim de semana passado, ajuda a lançar luz sobre o assunto:

“Pergunta de uma vendedora paulistana: por que o pessoal lá do Nordeste vota tanto no Lula, hem?

Resposta de uma cliente nordestina: porque tem muito pobre por lá.â€?

Diálogo num Shopping Paulista, 14.10.06

A divisão do país, que o segundo turno está evidenciando com nitidez, manifesta-se geograficamente mas a sua verdadeira natureza é social e econômica. À Bolsa Família, o governo Lula aliou um controle firme do aumento do custo de vida dos produtos básicos e um efetivo aumento real do salário mínimo. Como resultado tem-se que se a população brasileira pobre vivesse num país imaginário, a taxa de crescimento seria próxima a 20%, conforme destaca estudo recente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), liderado pelo economista Ricardo Paes de Barros.

“A percepção dos pobres é de estar vivendo num país com alto nível de crescimento, enquanto a dos ricos é de viver num país em criseâ€?

Estudo do Ipea, IstoÉ, 11.10.06

Independente de qualquer outra avaliação que se possa fazer do governo Lula, neste particular, ele cumpriu o que prometeu.

“É impressionante como Lula cumpriu o que prometeu que era governar para os mais pobres. E o dividendo eleitoral é claro.â€?

Celso Toledo, economista da MCM, FSP, 15.10.06

A questão para o conjunto do país é que uma face do desenvolvimento não pode ser cuidada em detrimento da outra, mesmo porque uma não se sustenta no médio prazo sem a outra. Um desafio e tanto para o próximo mandato presidencial.

Este post tem 0 comentários

  1. Ricardo José de Figueirôa Valença

    Francisco
    Bom dia

    Sou leitor do Gestão Hoje há algum tempo. Parabéns pela clareza e imparcialidade dos textos.

    Escrevo para indicar a leitura da revista Cara Capital que lhe servirá (também) como fonte quando da elaboração dos textos do Gestão Hoje.

    A síntese dos resultados das eleições no primeiro turno neste Gestão Hoje – 609 ficou \”acanhada\” ao resumir a análise dos resultados do primeiro turno a mera divisão (parece-me muito óbvio) entre \”pobre e ricos\”.

    O Gestão Hoje 609 brindaria seus leitores se tivesse incorporado ao texto a análise apresentada pela Revista Carta Capital.

    Faltou a leitura da revista Carta Capital (o primeiro ou o segundo exemplar após o primeiro turno) pois essa revista (diferente da grande mídia – VEJA inclusive – que partiu para o óbvio da divisão entre classes) incluiu o dollar desvalorizado e seus impactos nos estados da fronteira agrícola (o agronegócio) e exportadores quando da análise dos resultados do primeiro turno.

    A revista Carta Capital (do grande jornalista Mino Carta, italiano de nascimento e brasileiro por adoção) fez uma análise correta e não ficou no tema fácil da divisão do Brasil entre pobres e ricos, entre esclarecidos e ignorantes, entre o do futuro e o do atraso.

    Chico (desculpe-me a intimidade pois, leitor assiduo sinto-me próximo e a vontade de chamá-lo carinhosamente de Chico como o faço com o Buarque de Hollanda outro Chico a quem admiro), a tese da divisão do pais (no primeiro turno)entre \”pobres e ricos\”, entre \”esclarecidos e não esclarecidos\”, entre \”do atraso e do futuro\” não responde as seguintes perguntas:

    Como Lula ganhou nos \”pobres\” estados da região Sudeste ?? sim, pois exeto S. Paulo, Lula teve mais votos no primeiro turno em todos os demais estados \”atrasados\” da região Sudeste – ES, RJ e MG.

    Como Alckmin ganhou nos \”ricos\” estados da região Norte ?? Roraima, Acre e Rondônia deram no primeiro turno mais votos ao Alckmin do que ao Lula.

    Não desmerecendo os argumentos aqui apresentados essa análise melhor esclareceria seus leitores se incluisse a valorização do real frente ao dollar com impactos nas exportações que fizeram com que o Alckmin tivesse mais votos nos estados \”fronteiras agrícolas\” (o agronegócio)e exportadores. Essa análise justifica o maior número de votos dados ao Alckmin nos estados do RS, SC, PR, SP, MT, MS, TO, RO, GO, RR no primeiro turno.

    Por favor, tome esse email tão somente como uma sugestão minha para incluir (doravante) nas suas fontes de leitura (sei que são tantas) a revista Carta Capital para fugirmos do \”pensamento único\” da grande mídia (VEJA, Folha de São Paulo, O Estadão e todas as publicações do grupo Abril).

    Por fim, destaco que a Carta Capital foi a única revista que declarou seu voto e não ficou dizendo-se isenta ou imparcial (ou somente a favor do povo brasileiro).

    A VEJA (e não somente ela) fez campanha para um dos canidatos ao não divulgar \”os pobres\”, as \”politicagens\” e os \”crimes\” na vã ilusão de que passaria à classe média a polarização
    \”quadrilha\” versus \”ética\”, como já fizera com o Collor anteriormente.

    Lamentavelmente (para a grande mídia) o Brasil votou com o bolso. Isso justifica a vitória do Alckmin nos estados agrrícolas/exportadores e a vitoria do Lula nos demais estados.

    Grato pela atenção dedicada
    Atenciosamente
    Ricardo José de Figueirôa Valença

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