Quando se pensava que tudo o que poderia ser visto em termos de degradação da classe política brasileira já havia sido encenado, eis que surge nas telas da vergonha nacional o deprimente espetáculo protagonizado pelo presidente Renan Calheiros e pelo inacreditável Conselho de Ética do Senado Nacional. Chegou-se até a falar em “sangramentos” pessoais e institucionais.
“Essa história de querer encerrar isso logo porque o senador Renan está sangrando é uma balela, o Senado está sangrando muito mais do que ele.”
Jarbas Vasconcelos, senador PMDB/PE
Mesmo para aqueles que procuram encarar o desenrolar dos mais recentes e lamentáveis episódios políticos como um rito de passagem, ainda que lento e doloroso, para uma posição mais conseqüente da sociedade e da sua representação política, não deixa de causar espanto e indignação a farsa encenada pelo Conselho de Ética do Senado na tentativa canhestra de absolver a toque de caixa o senador acusado.
“Algo está muito fora do lugar quando um conjunto de experientes senhores e senhoras presumidamente ciosos de seus deveres para com a Federação por eles representada no Legislativo quedam-se quase submissos ao atendimento das conveniências de um só senador que, além de tudo, deve a eles a eleição para o posto. Se aceitam deliberadamente participar de uma ação de desmanche do que resta das respectivas reputações e da credibilidade do Senado devem ter boas razões.”
Dora Kramer, coluna de 20.06.07
Tão fora do lugar que chega a embotar o pouco de esperança, cultivado com muito cuidado, de que todo esse processo de exposição das entranhas da política e de suas relações perigosas com gente esquisita seja, de fato, a projeção de uma tênue luz no fim do túnel.
“São gemidos de um mesmo parto prolongado. (…) Quando esses processos são postos em marcha, vive-se um intenso psicodrama. (…) Mas o país avança, ainda que de uma forma nebulosa.”
Fernando Gabeira, Folha de S. Paulo, 30.07.06
Em meio a esses espetáculos lamentáveis, é preciso não perder de vista que a raiz de todos os desvios flagrados pela mídia e pelos órgãos fiscalizadores está no processo viciado e deletério de financiamento das campanhas políticas. Tudo começa aí. Depois, vêm os lobbies associados e desenrola-se todo esse novelo que estamos vendo há tempos. É fundamental perseverar na tentativa de melhorar e tornar menos contaminados os mecanismos de financiamento eleitoral.
“Mecanismos capazes de diminuir os custos e tornar transparentes os financiamentos de campanha, assim como a regulamentação das atividades dos lobbies e a instituição do voto distrital misto, não constituem panacéia para a corrupção, mas seriam ao menos capazes de separá-la daquilo que, hoje em dia, é o modo corriqueiro de fazer política no Brasil.”
Editorial, Folha de S. Paulo, 23.06.07
Nossa torcida, a torcida responsável da sociedade, é que todos esses constrangimentos e espetáculos deprimentes sirvam para despertar a consciência dos políticos sérios e os leve a conseguir fazer avançar as reformas políticas possíveis.