Infelizmente não dá para dar continuidade neste número, conforme prometido no anterior, ao tema da inadequação de comparar uma empresa com uma orquestra. Esse tema importante precisa ficar para depois diante da terrível realidade do maior acidente aéreo da história do país, no aeroporto mais movimentado no país, na maior cidade do país. Desafortunadamente, não dá para não tratar a questão como, parafraseando a consagrada expressão literária de Gabriel Garcia Marques, a “crônica de uma tragédia anunciada”. O próprio Gestão Hoje já tratou do assunto três vezes desde o trágico acidente envolvendo o avião da Gol e o jato Legacy, dez meses atrás (ver GH/614, GH/619 e GH/634).
“A de ontem foi a crônica de uma tragédia anunciada (…) na verdade o apagão aéreo nada mais é do que o apagão de competência.”
Ricardo Noblat, Blog do Noblat, 18.07.07
De fato, é impressionante a incrível sucessão de inadequações, atitudes e comentários desastrados das mais diversas autoridades responsáveis pela administração do setor aéreo brasileiro, desde que ficou evidente que a situação era séria e, mais do que nunca, exigia coordenação competente. Ao que parece, ou não se dão conta do que está acontecendo, ou tratam o problema de forma desleixada. Pouco mais de 48 horas depois do acidente, promoveu-se na Base Aérea de Brasília, inclusive com a presença do vice-presidente da República, uma inacreditável cerimônia para condecorar várias pessoas por “relevantes serviços prestados à Aeronáutica”, dentre as quais o presidente da Anac, um dos órgãos umbilicalmente ligados à crise, cuja atuação vem sendo fortemente questionada por inúmeros especialistas consultados pela imprensa, antes e depois do acidente da terça-feira fatídica.
“O comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, nada disse sobre o acidente e fez um discurso no qual destacou as qualidades do brasileiro Santos Dumont.”
Revista Veja, 25.07.07
Todo esse alheamento caracteriza uma situação que o correto senador Jefferson Peres (PDT/AM) definiu com muita propriedade:
“Faltou planejamento, faltaram investimentos e parece que está faltando autoridade.”
Jefferson Peres, GloboNews, 21.07.07
Em outras palavras, o que está faltando, e muito, em toda essa crise que já se arrasta há 290 dias e que fica mais do que evidente, 346 mortos depois, é capacidade de gestão, como bem teve que caracterizar o sócio-fundador da TGI Consultoria, Ricardo de Almeida, quando procurado pela reportagem do Diário de Pernambuco para comentar o fato de ter um homônimo entre os passageiros do vôo sinistrado.
“É uma incrível falta de capacidade de gerir algo essencial para o desenvolvimento do país e que põe em risco a vida de tantas pessoas.”
Ricardo de Almeida, Diário de Pernambuco, 19.07.07
Pouco importa se o problema foi do aeroporto superlotado, da pista inacabada, da chuva, do reverso quebrado ou de falha humana do piloto ou, o que é mais provável, da conjugação de vários ou de todos esses fatores (dizem os especialista que uma tragédia deste tipo nunca ocorre em virtude de uma única causa). Pouco importa de quem é a culpa pelo último acidente. O fundamental é que sejam tomadas, de fato e não de conversa fiada, as medidas necessárias para que o caos acabe. E, nisso, a responsabilidade governamental é evidente, intransferível e indelegável. Os familiares das vítimas, os passageiros e os brasileiros exigem que seja assim!