Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta corte do Judiciário brasileiro, iniciou o julgamento sobre o acolhimento da denúncia feita pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, dos 40 acusados de participarem do esquema que ficou conhecido como “Mensalão”, o escândalo que provocou a maior crise política do governo Lula.
“A mais alta corte do país é formada por 11 ministros, nomeados pelo presidente da República. Entre as atribuições do Supremo, está a de processar e julgar deputados e senadores. É por isso que o caso está sendo julgado pela Corte. O que o STF está decidindo agora é apenas contra quem será aberto o processo. O julgamento final, sobre a culpa em si, é uma segunda etapa e pode demorar até seis anos.”
O Globo On Line, 26.08.07
Há um entendimento disseminado pela imprensa de que trata-se de um julgamento histórico (“o mais importante julgamento da história do STF desde que o país voltou à democracia em 1985”, segundo a revista Veja). Justamente por conta dessa dimensão ampliada, o julgamento chama a atenção do país para as características particulares da Justiça brasileira, cheia de meandros e formalismos que transformam os advogados em especialistas nas questões não substantivas dos casos em questão.
“O julgamento é um marco, que qualifica a democracia brasileira e a solidez de suas instituições mas os advogados que se sucedem na tribuna para defender seus clientes, com poucas exceções, debatem firulas, embrenham-se na discussão de irrelevâncias, perdem-se em tecnalidades — e repetem-se, repetem-se e repetem-se.”
Revista Veja, 29.08.07
Além de histórico pela importância do mérito da causa em julgamento (a montagem e operação de um esquema de financiamento de maioria no parlamento com dinheiro público desviado), o evento é didático também pela exposição das graves imperfeições da Justiça, seja no que diz respeito à legislação ou à organização judiciária. Não bastassem as brechas protelatórias, é voz corrente que o Supremo não possui estrutura capaz de operacionalizar o julgamento de um processo com tantos réus (40 se forem aceitas denúncias contra todos).
“Não é uma antecipação de julgamento de mérito, entendam isso. É preciso dar a eles todas as oportunidades do contraditório e da ampla defesa, porque somente assim é que respeitaremos o devido processo legal.”
Carlos Ayres Britto, ministro do STF, O Globo On Line
Justamente para garantir esse direito inalienável dos acusados, cada um pode, além de depor, convocar oito testemunhas — o que é capaz de elevar a 320 o número de depoimentos, sem contar com os próprios acusado, se forem todos os 40. Tudo isso numa corte sem estrutura para julgamentos desse tipo e dessa magnitude pode fazer arrastar por anos a fio o julgamento do mérito, diluindo o efeito didático da causa. Mas, como diz o ditado popular, se não tiver jeito, é melhor tarde do que nunca. Tomara que o processo contribua também para lançar luz sobre as inadequações da Justiça e, indiretamente, ajude a aperfeiçoá-la.