Depois de uma injeção de recursos até agora superior a US$ 400 bilhões para garantia da liquidez dos mercados financeiros (ver a respeito os números 652 e 653 do Gestão Hoje), os principais bancos centrais do planeta mantêm-se alertas aos desdobramentos do estouro da bolha imobiliária do EUA. Por tratar-se de uma ação intervencionista inédita em volume, e que surpreendeu pela rapidez com que foi executada, vale a pena observar o que diz o economista Delfim Netto sobre como os bancos centrais aprenderam a agir deste modo.
“Trata-se de um problema do mercado financeiro desregulamentado que os Bancos Centrais aprenderam a enfrentar com Alan Greenspan na crise que levou à falência, em 1998, o famoso ‘hedge fund’ LTMC (Long Term Capital Management), que, por ironia, era dirigido por dois economistas (Prêmio Nobel) que haviam inventado a teoria para medir ‘riscos’.”
Delfim Netto, Folha de S. Paulo, 29.08.07
De fato, a desregulamentação atual do mercado financeiro global é de tal ordem que o total dos ativos acumulados (ações, depósitos bancários, títulos de governos e empresas) corresponde a mais do que o triplo do valor do produto econômico de todos os países do mundo juntos. De acordo com a revista Exame, já ultrapassou os US$ 140 trilhões em 2005 e caminha para o patamar de US$ 200 trilhões em 2010. Estima-se que o fluxo de capital no mundo (compra de ações, títulos de dívida, empréstimos, investimento direto produtivo) já supere os US$ 6 trilhões por ano, equivalente a seis vezes o valor no início da década de 1990. Com o estouro da bolha imobiliária norte-americana, houve um início de pânico e a cautela entrou temporariamente em cena.
“Os eventos recentes mudaram o panorama do mercado global — um período de empréstimos fáceis e dinheiro abundante dará lugar a análises mais realistas de riscos.”
John Stuttard, prefeito da City de Londres, Exame 900
Até que ponto tudo isso vai impactar a economia real é a pergunta que vale um milhão de dólares. Os volumes são muito altos e não se sabe ainda o que pode acontecer. Só os chamados “derivativos” (contratos firmados sobre os valores futuros de ativos como matérias-primas, moedas e crédito) tiveram o crescimento espantoso de US$ 3,5 trilhões no início dos anos 90 para US$ 286 trilhões no final de 2006. E os bancos centrais estão preocupados justamente porque tanto os derivativos quanto os fundos de private equity e os fundos de hedge são personagens novos e abundantes que não foram ainda testados numa crise como a da Ásia, da Rússia e do Brasil há dez anos. De qualquer forma, já se podem antecipar alguns cenários decorrentes da nova realidade de crise, inclusive para o Brasil.
“Antes da crise, acreditava-se que a economia americana cresceria 2,8% em 2008 e o Brasil teria um desempenho de 4,5%. Hoje, a aposta é que o PIB americano crescerá 2% em 2008 e o brasileiro 4,3%. No pior cenário, os Estados Unidos fecharão o ano que vem com taxa de 1,5% e o Brasil com 3,5%.”
Revista Exame 900, 29.08.07
O certo é que o Brasil hoje, depois de ter aprendido a lição da crise de 1998, encontra-se em muito melhores condições para enfrentar uma turbulência global mais acentuada mas não está, de modo algum, imune a ela, como aliás nenhum país está, em especial os emergentes. As próximas semanas devem deixar mais claras as perspectivas dessa mais nova crise global.