A “GAMIFICAÇÃO” DOS PROTESTOS NO BRASIL

por Francisco Cunha, sócio da TGI Consultoria em Gestão
No dia 7 de setembro, estava no Rio de Janeiro e involuntariamente me vi no meio do cenário do conflito provocado pelo choque dos manifestantes com a polícia na região do Catete/Largo do Machado. Tinha ido assistir a um filme no cinema do Museu da República (antigo Palácio do Catete), sessão das 18h30 e, quando saí, o circo estava armado.
Pela Rua do Catete, lixo espalhado e quiosques de bancos depredados. Na paralela Bento Lisboa, várias “barricadas” de lixo ainda fumegantes. No céu, vários helicópteros com holofotes acesos, vasculhando a área do conflito. Voltando do Largo do Machado, grupos de manifestantes com máscaras contra gás lacrimogêneo e mochilas nas costas. Outros grupos mistos de “médicos” (suspeito que ainda estudantes de Medicina) vestidos com uniforme branco, estetoscópio pendurado no pescoço e bótons com a inscrição “S.O.S.”. Carros de bombeiros passando com sirenes ligadas. Mais adiante, policiais das tropas de choque em motos, caminhonetes e a pé…
Quando me vi abrigado, liguei a TV na Globo News e assisti ao resumo das demais manifestações pelo Brasil afora, inclusive no Rio de Janeiro, e fiquei com a sensação de estar vendo uma espécie de game de protestos ocorrendo no mundo real: manifestantes com a mesma indumentária, polícia com a mesma atitude, mesmo script de provocação x reação policial, numa espécie de jogo de gato e rato no meio da rua.
Depois dessa sensação, me perguntei se a persistência das manifestações violentas, depois dos já famosos protestos de junho, não teria adquirido um quê de reprodução de jogos e vídeos acessíveis na internet e nas redes sociais. Uma espécie de game “off-line” jogado na rua, já sem mais representar, como representou em junho, a insatisfação de amplas parcelas da sociedade.
Digo isso porque, enquanto andava pelas ruas do Catete e de Bento Lisboa, vi muita gente acuada nos edifícios, com medo de sair na rua. Um motorista de táxi disse algo assim: “Tem é que meter o pau mesmo nessa turma; eles estão pensando o quê? Que podem sair fazendo baderna e quebrando tudo por aí sem sofrer nada?”.
Será que o que restou dos protestos apartou-se das reivindicações originais e descambou para a violência sem mais representar o que lhe deu origem? E virou uma espécie de jogo derivado do mundo virtual? Se é assim, o que vai ser da insatisfação original não mais representada?
Infelizmente, muito mais perguntas que respostas. Vamos ter que conviver com essa incerteza até que a nova realidade apareça com mais clareza. Até lá, talvez tenhamos que continuar vendo o “jogo” pela televisão, cuidando de preservar os movimentos de cidadania consequentes.

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