Direito à Paisagem

por Francisco Cunha, sócio da TGI Consultoria em Gestão
Um duro golpe para o patrimônio histórico construído do Recife.
Na segunda-feira 28 de outubro, por volta das 7h30, passava eu, como faço praticamente todos os dias, pela Av. Rui Barbosa na frente do Colégio Damas quando tomo um susto terrível: a Estação de Ponte D’Uchoa, ali desde 1865 onde a vi durante toda a minha vida, tinha sido destruída e ido quase que completamente ao chão.
Impactado, sem saber o que tinha acontecido e sem poder parar, segui adiante, participei do compromisso para o qual estava agendado sem conseguir tirar a perturbadora imagem da cabeça, voltei no meio da manhã e pude constatar e documentar a extensão da tragédia. Um carro desgovernado, em alta velocidade, durante a madrugada, sobrou na curva e bateu de frente, em cheio, na construção derrubando completamente sete das oito paredes, toda a coberta e parte do alpendre da estação. Um duro golpe para o patrimônio histórico construído do Recife.
Depois de passado o susto inicial e de me certificar dos encaminhamentos adequados dados pela prefeitura do Recife, fiquei pensando no que tinha ocorrido: de repente, uma paisagem que já havia se tornado familiar para mim desaparece da vista. Após a falta, então, veio a constatação: estava me sentindo como se tivesse sido atingido pela perda de um direito. O direito àquela paisagem. E como dizia Millôr Fernandes, “livre pensar é só pensar”, o pensamento livre se impôs: isso vale também para o conjunto da cidade! Ou seja, se queremos viver em cidades boas para morar, temos que lutar também pelo direito à paisagem. De não ter destruídas paisagens que fazem parte da história da cidade e das pessoas. Aí, fui pesquisar e vi que já existe inclusive a iniciativa de incluir esse direito no Estatuto da Cidade, uma lei federal que tomou esse nome.
Claro que esse direito deve ser compatibilizado com a necessidade de desenvolvimento da cidade e não pode ser entendido como sinônimo de congelamento ou estagnação. E é claro, também, que é algo bastante complexo de decidir. Como estabelecer o que é ou não paisagem a ser preservada como direito da cidadania? De qualquer forma, neste momento em que se discute com intensidade no Brasil a qualidade de vida das cidades e que, particularmente no Recife, se começa a discutir, depois de longasdécadas, a perspectiva do planejamento de longo prazo, esse é um tema que não pode deixar de entrar na ordem do dia.
Como em se tratando de cidade, pode-se dizer que nada é simples, tratar desse assunto da forma desapaixonada e racional, com respeito e tolerância pelas opiniões contrárias, me parece uma necessidade democrática, em particular no Recife, detentor ainda de muitas paisagens extraordinárias como a da Estação de Ponte D’Uchoa e seu entorno.
*Artigo publicado na edição 92 da revista Algomais (www.revistaalgomais.com.br).

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