As duas faces de uma eleição:consolidação da democracia e do ilícito

 
Ao realizar o primeiro turno da sua décima terceira eleição após a redemocratização (depois do fim do governo militar), o Brasil contabiliza números que colocam seu processo eleitoral dentre os maiores do mundo.
Foram 120 milhões de eleitores aptos a votar em 15.781 candidatos disputando 5.562 prefeituras e em 346.373 candidatos disputando 51.802 vagas de vereador. Uma multidão que fez, em todos os centros urbanos importantes, nos quatro cantos do país, uma mobilização a que já se convencionou chamar de “festa cívica”.
De fato, uma “festa” majoritariamente pacífica, com raríssimos casos registrados de tumultos ou ocorrências policiais. Algo surpreendente dada a magnitude da mobilização e considerando que cerca de 70% da população saiu à rua para votar.
Digno de registro, também, é o sistema de votação e apuração que tem como peça chave a chamada “urna eletrônica”. Um verdadeiro fenômeno tecnológico, capaz de encerrar a apuração dos resultados do pleito em menos de 24h após o encerramento da votação, observado in loco por nações estrangeiras as mais diversas, interessadas em copiar o modelo em suas respectivas eleições.
Do ponto de vista político-partidário, o destaque desta eleição foi a vitória do PT que não só reelegeu em primeiro turno prefeitos em cidades importantes que já governava como tem a perspectiva concreta de mais do que dobrar, em termos numéricos, as 200 prefeituras que hoje detém pelo país afora.
Além do PT, saiu também fortalecido o PSDB, ao passo que, pelo menos de acordo com que indicam os números iniciais, o grande perdedor teria sido o PFL.
Tudo isso, inclusive a alternância do peso dos partidos na correlação das forças políticas, reforça o processo de aperfeiçoamento institucional no país. Uma vitória, portanto, da democracia brasileira.
Todavia, junto com todo esse avanço, um aspecto preocupa. Trata-se do velho e pernicioso processo de financiamento das campanhas, uma das principais fontes de desvios de parcelas significativas da vida pública brasileira.
A propósito do tema, tão indigesto quanto importante para o aperfeiçoamento do processo político brasileiro, foi recentemente lançado o livro “A Mentira das Urnas” (editora Record) do jornalista Maurício Dias. Nele, o autor defende a tese de que os ilícitos na arrecadação de recursos de campanha comprometem o resultado das eleições uma vez que o processo todo fica sob suspeita quando os partidos injetam nas campanhas muito mais dinheiro do que informam oficialmente.
“A prestação de contas é enviada à Justiça Eleitoral que finge acreditar nos números. É a ‘beatificação do ilícito’ como dizia o ex-ministro da Justiça Paulo Brossard.”
Maurício Dias, IstoÉ, 06.10.2004
Segundo Maurício Dias, esse processo obscuro faz com que o interesse alcance as máquinas governamentais e cargos-chave sejam reservados para figuras “talentosas” na arte de arrecadar. No governo federal esse vício, de acordo com o autor, “torna os cargos de segundo e terceiro escalões mais cobiçados do que até mesmo os ministérios”. Com isso, muitas administrações que emergem das eleições já iniciam contaminadas pelo vírus da suspeita, perpetuando o ciclo da improbidade.
Duplo processo de confirmação, portanto, o eleitoral brasileiro. De um lado, do fortalecimento cívico e institucional da democracia. Do outro, das práticas de financiamento de campanha que alimentam a corrupção administrativa e ajudam a colocar o Brasil no último lugar do ranking da competitividade por investimento entre as 53 nações emergentes do mundo, de acordo com recente estudo do Bird (assunto que será tema de um próximo Gestão Hoje).

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