O costume, infelizmente muito disseminado no país, de pirataria e plágio de produtos e idéias (ver a respeito os números 494 e 495), tem, com certeza, incentivado um outro tipo de falsificação: da ética.
Caricaturalmente apontado como um país onde a ética nunca foi um artigo de primeira linha, o Brasil e o brasileiro sempre padeceram da imagem de pouco éticos. País do “jeitinho” e da malandragem, onde imperava a “lei de Gerson”, o Brasil tem presenciado, nos dias atuais, uma espécie de fortalecimento da ética e da seriedade.
Evidência disto é o crescimento do espírito de responsabilidade social e da consciência de que é imprescindível a participação da sociedade na resolução dos grandes problemas do país e do resgate da enorme dívida social do Brasil. Sem falar do avanço da responsabilidade fiscal, inclusive com legislação específica em vigor.
Todavia, para não fugir à tradição, a despeito do sentimento e da prática emergentes e em ascensão da conduta ética e responsável, não é raro nos deparamos com um tipo novo: o falso ético. Aquele que, usando o disfarce da ética, como uma pele de cordeiro, potencializa sua ação perniciosa, não raro lançando mão de conceitos considerados “modernos” como é o caso da “fidelidade à carreira” em detrimento da “fidelidade à empresa” (ver a respeito o número 453).
Algumas pessoas valem-se da idéia, completamente equivocada, de que o mais importante é ser fiel à sua carreira para, usando da maior desfaçatez e alegando, por exemplo, “problemas pessoais”, desligarem-se de uma empresa para, em pouco tempo, passarem a trabalhar numa concorrente e ainda serem cúmplices no aliciamento de outras pessoas da antiga empresa.
Esse tipo de procedimento, cada vez mais comum, faz lembrar o lúcido alerta do filósofo e ensaísta francês, Roland Barthes (ver a respeito o número 290):
“Profissional de talento é aquele que soma 2 pontos de esforço, 3 pontos de talento e 5 pontos de caráter.”
Roland Barthes, 1915-1980
Quem tem responsabilidade gerencial deve estar sempre atento para não se deixar enganar pelo falso ético. Se não tomar cuidado será vítima dele mais cedo ou mais tarde. Na maioria dos casos, mais cedo do que tarde. Por uma razão muito simples: a falta de ética ou de caráter é definitiva.
Em todos os outros itens normalmente utilizados para a avaliação dos liderados (capacidade, disponibilidade, sintonia de valores, vontade etc.) se pode usar uma escala ampla. Em se tratando do caráter, não. É binário: ou se tem bom ou não se tem. Não se pode dizer que alguém tem “mais ou menos” caráter.
Essa constatação é especialmente importante porque é comum o falso ético ser também inteligente, intelectuamente bem dotado e, não raro, charmoso.
“O caráter, em sua acepção mais ampla, engloba a personalidade, e não apenas a parte ética. O caráter é mais importante que o intelecto.”
Roger Gould, psicólogo americano
Todo cuidado é pouco porque os danos que o falso ético pode causar são muito grandes, sobretudo quando assumem responsabilidades maiores, o que é normal dada a competência operacional que comumente tem.
Especial atenção deve ser dada ao disfarce da responsabilidade social que, por constituir-se num conceito atualmente em alta, cai como uma luva para o falso ético que o utiliza com a desenvoltura digna de um Oscar de efeitos especiais.
Portanto, todo cuidado para não cair nas malhas envolventes desse novo representante da aparentemente inesgotável capacidade nacional de falsificar produtos originais, por mais sofisticados que sejam.