O perigo de achar que não há maisnada a temer porque "o pior já passou"

 
Não, o pior não passou ainda. Apesar da grande melhora dos indicadores macroeconômicos brasileiros em 2003, a vulnerabilidade externa do país continua grande. Por si só, essa fragilidade torna temerária a crença de que o caminho do crescimento está todo livre em 2004.
O próprio FMI que vem de renovar mais um acordo com o país e que não se conteve em elogios à política econômica adotada por Palocci e equipe, adverte em nota divulgada por ocasião da renovação do acordo:
“Apesar dos recentes sucessos, o Brasil continua vulnerável a mudanças negativas no sentido do mercado.”
Fundo Monetário Internacional, Washington, D.C.
As “mudanças negativas no sentido do mercado” a que se refere o Fundo são a mais do que provável virada de humor da política macroeconômica dos EUA capitaneada pelo Fed (Banco Central de lá). Apesar de ter mantido inalterada a taxa básica de juros em 1% ao ano (a menor dos últimos 45 anos), na última reunião do seu Comitê de Política Monetária, o Federal Reserve não vai ficar paralisado quando a vigorosa retomada da produção dos EUA pressionar a inflação para cima. Segundo os analistas, essa pressão inflacionária deve começar a se manifestar em meados de 2004.
“Economistas dizem que o BC americano já começa a preparar o terreno para um alta da taxa de juros (…) na reunião de junho.”
Folha de S. Paulo, 10.12.2003
Com essa elevação consumada, a situação do Brasil se complicará porque as aplicações em títulos norte-americanos ficarão mais atraentes por conta de uma relação custo/benefício mais vantajosa para o investidor.
O fluxo de capitais para o Brasil, por conseguinte, diminuirá, valorizando internamente a moeda norte-americana. Dependendo do tamanho dessa valorização, a pressão inflacionária aumentará e, com ela, a disposição do Banco Central brasileiro de também elevar suas taxas, retomando todo o processo de escalada câmbio-juros-inflação novamente.
“… os riscos que corremos quando a bolha [dos juros baixos nos EUA] estourar são imensos. Na última vez que uma correção mais brusca ocorreu, em 1994, o México quebrou. O Brasil foi atingido de modo suave em razão do sucesso do Plano Real. Agora a situação é diferente, pois a crise, quando vier, será mais grave pela dimensão e extensão dos desequilíbrios atuais.”
Luiz Carlos Mendonça de Barros, economista
Justamente por conta desses riscos concretos, a euforia com os resultados obtidos em 2003, embora compreensível face ao cenário de desalento do final de 2002, é perigosa e desviante. É um risco nada desprezível colocar todas a fichas na aposta de uma recuperação irreversível da economia em 2004.
“… o otimismo do presidente e dos seus assessores pode ser muito perigoso.”
Luiz Carlos Mendonça de Barros
Cautela e caldo de galinha, conforme reza a sabedoria popular, nunca fez mal a ninguém. Otimismo demais, descolado da realidade é tão danoso quanto o seu inverso, o pessimismo desalentador.
“… 2004 deve ser também o ano da cautela. Há um risco não desprezível de que a economia global acabe pagando um preço alto demais por postergar durante tanto tempo a resolução de seus desequilíbrios.”
Paulo Tenani, revista Exame, 24.12.2003
Vamos ficar de olho nos sinais e torcer para que o governo tenha tempo de concluir os ajustes necessários, antes que a virada do tempo se consume.

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