Precisamos aprender a dizer nãoàqueles que nos roubam a dignidade

 
Estava pautado para este número do Gestão Hoje a continuação do número anterior (ver 455): como dizer “não”, sem “fechar portas”. Todavia, a ocorrência de um fato novo, o desbaratamento de um esquema criminoso envolvendo um grupo de integrantes da Justiça e da Polícia Federal em São Paulo, impôs-se, provocando a mudança de pauta.
O grupo, formado por três juizes federais, dois delegados e um agente da Polícia Federal, além de advogados e empresários, é acusado de formação de quadrilha para a venda de sentenças favoráveis a marginais, tráfico de influência e falsificação de documentos. Um juiz e os policiais federais foram presos e os outros estão indiciados.
A importância deste fato deve-se ao que a revista Veja chama, no preciso editorial desta semana, de “contundência das evidências reunidas” e à importância da ação investigativa para o avanço da democracia no país.
“… a sociedade brasileira colocou na mira nos últimos anos tanto o Executivo quanto o Legislativo. Com a destituição de Fernando Collor, em 1992, o Poder Executivo sentiu a força do repúdio popular ao comportamento pouco ético dos governantes. Na mesma década, escândalos depurativos sacudiram o Legislativo. Os integrantes do Judiciário, porém, continuaram a viver numa espécie de mundo à parte, alheios às críticas e sentindo-se imunes aos mecanismos punitivos a que se sujeitam os demais brasileiros.”
Carta ao Leitor, revista Veja, 12.11.2003
Coincidentemente, a Folha de S. Paulo deste domingo publica uma reportagem sobre a apuração de um esquema de “corretagem de sentenças”, em valores que variam de R$ de 70 mil a R$ 300 mil, de que são acusados seis desembargadores da ativa e um aposentado do Tribunal de Justiça do Mato Grosso.
Além disso, está em curso, já há algum tempo, uma investigação sobre possível conduta criminosa similar (venda de sentenças) de ministros da ativa e aposentados do STJ.
Esses casos constituem exemplos de uma conduta mais madura da sociedade e um avanço na direção de um país mais civilizado. Na revista IstoÉ desta semana, a propósito do fato, é citada uma frase do advogado Clóvis Ramalhete, autor do projeto que garantiu a ampla anistia de 1979, muito bem ilustrativa da gravidade da situação:
“A democracia só estará consolidada quando juizes, banqueiros e funcionários públicos corruptos começarem a se sentar no banco dos réus e ressarcir o patrimônio público.”
Clovis Ramalhete, jurista, IstoÉ, 12.11.2003
O juiz estadual do Rio de Janeiro, Lafredo Lisboa, com a autoridade de quem acaba de condenar 22 acusados de corrupção (fiscais estaduais, auditores federais e empresários, todos envolvidos no escândalo do “propinoduto”), dentre os quais o famoso Silveirinha, identifica avanços importantes:
“Há um fenômeno novo de indignação generalizada com o uso da coisa pública para fins pessoais. (…) A sociedade não aceita mais situações consumadas que beneficiam a impunidade e afrontam a ética.”
Lafredo Lisboa, juiz carioca, IstoÉ, 12.11.2003
Nenhum país do mundo chegou à democracia e ao desenvolvimento (e permaneceu neles) sem construir e consolidar uma Justiça capaz de fazer justiça e, portanto, que esteja, em sua essência, acima de qualquer suspeita.
Tanto quanto, individualmente, precisamos aprender a dizer “não” a quem nos rouba o tempo, a sociedade brasileira precisa aprender a dizer um “não” contundente àqueles que nos roubam a dignidade de cidadãos.

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