Para que um consultor?

A Exame de 2 de dezembro passado, do alto de sua autoridade de revista de negócios mais lida do país, publicou, como reportagem de capa, a matéria intitulada Quem Precisa de Consultor?, alertando: “não contrate um sem ler antes o que temos a dizer a respeito.” Pela importância do assunto e pelo fato de ter sido objeto de comentários de vários leitores do Conjuntura & Tendências, vale a pena fazer algumas considerações sobre a questão.
Para início de conversa, é preciso concordar com, digamos, 95% do que foi publicado. De fato, quando adequadamente feita, consultoria é uma atividade de suporte à decisão e de apoio aos necessários processos de mudança. Não pode nem deve ser carro-chefe da gestão de nenhuma organização. Consultoria nunca substitui a gerência. O comando, portanto, de qualquer trabalho de consultoria tem que ser de quem contrata o serviço, afinal consultor nenhum, por mais competente que seja, é capaz de saber mais sobre o negócio que seus “donos” ou de conduzir mudanças nas organizações pois isso é responsabilidade indelegável dos que cuidam da gestão. Como diz a reportagem, “consultores devem agir como capitães, não como generais. Esta tarefa cabe aos executivos da empresa“. Além disso, nada deve ser feito ou encaminhado sem que, antes, se tenha discutido bastante (contratantes e contratados) sobre qual é o problema a ser tratado e que resultados devem ser atingidos. Como bem frisa a reportagem, “uma das maiores causas de fracassos em projetos de consultoria é achar uma solução brilhante para a questão errada“. E não é raro consultores, muito senhores de si, se encantarem com as próprias soluções…
No que diz respeito aos “5%” de discordância, além do desagradável, embora compreensível, tom sensacionalista da reportagem (na batalha pela atenção do leitor, revistas precisam realçar seus assuntos, afinal, sobriedade tem pouco apelo de venda), dois pontos principais a considerar. Em primeiro lugar, não é justificável que nenhuma matéria que se pretenda séria sobre empresas no país, tenha como epígrafe uma citação do hoje dublê de cartunista e “filósofo” da administração, Scott Adams, ex-burocrata de grande corporação norte-americana e criador do deletério personagem Dilbert, usado como ponta de lança para ridicularizar, de forma, para nós no Brasil, perniciosa, todos os valores básicos da competitividade empresarial. Dele disse Tom Peters, em seu mais recente livro (“O Círculo da Inovação”): “ler Dilbert e rir… tudo bem (…) Mas negar o que nos torna humanos… é um ultraje moral!“. Em segundo lugar, fazer um reparo à orientação dada em destaque: “Não chame um consultor sem saber qual é o seu problema“. Trata-se, evidentemente, de uma tolice equivalente ao seguinte conselho: “Não vá a um médico sem antes ter certeza sobre que doença você tem“.
É, justamente, a partir da metáfora médica que vale a pena tecer alguns comentários adicionais, para além do mencionado no artigo. Guardadas as devidas proporções, contratar um consultor eqüivale a consultar um médico. Indo um pouco além na comparação, pode-se dizer que o consultor é um “médico empresarial” (ou que o médico é um “consultor em saúde” pessoal). Exige-se do médico que seja especialista em saúde, como deve-se exigir do consultor que conheça o objeto com que lida (a gestão). Como um consultor, médico nenhum cura ninguém. Ou a pessoa confia no profissional, compreende e concorda com o diagnóstico, aceita e conduz o tratamento ou as chances de cura (ou desenvolvimento) são remotas. Eis aí uma questão-chave: confiança.
E confiança não é algo que se compra pronto, é algo que se adquire por meio da parceria, do teste do trabalho prático. Ajuda a adoção de uma expectativa realista: nem a confiança cega, nem a desconfiança patológica. Ajuda também a referência, a pesquisa sobre os trabalhos anteriores do consultor. Procurar saber se se está lidando com um profissional da consultoria ou com alguém que “está” consultor por falta de alternativas ou por que se acha sabido demais e pensa que pode “ensinar” aos outros até aquilo que desconhece na prática. É justo que não se desconsiderem essas precauções. Afinal, picaretas e curiosos, os há em todas as profissões.

Desafio 21
O Leia no caderno Oportunidades, todo domingo no Jornal do Commercio, a coluna Desafio 21. O que há de mais atual sobre Gestão & Competitividade está lá. Uma produção conjunta da Rede Gestão e da JCR & Calado, com criação gráfica da Aporte.