Nem inferno nem paraíso:A economia refém da lógica do mercado financeiro

“Inflação de 50%, câmbio a R$ 2,34, recessão de 4%, Mercosul ameaçado: é o que nos espera em 1999.”

Previsão da Lafis – Pesquisa e Investimento em Ações na América Latina, revista CartaCapital, 03.02.99

“Num piscar de olhos passamos do inferno ao paraíso.”

Carlos Gandolfo, sócio da Pioneer Corretora de Câmbio, Folha de S. Paulo, 09.04.99

Apenas dois meses é o tempo que separa essas duas opiniões oriundas de agentes do chamado mercado financeiro do país. Numa o inferno, na outra o paraíso. No meio, o mundo real, com seus problemas e suas oportunidades. Infelizmente, a economia do país voltou a ficar refém do humor, com muita freqüência irresponsavelmente estimulado, do mercado financeiro. É preciso serenidade para constatar que nem o mundo vai se acabar, nem se pode relaxar, porque a situação ainda é muito delicada.
É fundamental entender que, depois da desvalorização do real frente ao dólar, em janeiro, mudaram substancialmente os cenários da economia no país. Como numa operação cirúrgica de risco, adiada irresponsavelmente muito além da conta, a desvalorização deixou o paciente em estado pós-operatório mas com muito melhores perspectivas de cura do que antes, embora exigindo cuidados especiais para que a situação não saia fora de controle. De fato, logo após a flutuação do câmbio, segundo Celso Pinto, em sua coluna de 01.04.99, “o mercado internacional viu três riscos muito altos para o Brasil: uma moratória da dívida interna como na Rússia; um impacto inflacionário forte, como no México; e uma longa recessão e desorganização econômica, como na Ásia.” Como isso não aconteceu, iniciou-se uma reversão de expectativas.

“Quando o momento é de pânico, o mercado tende a prestar mais atenção às semelhanças entre países emergentes do que às diferenças. Quando volta a calma, os investidores passam a valorizar as diferenças.”

Demósthenes Madureira de Pinho Neto, ex-diretor da Área Externa do BC, Folha de S. Paulo 01.01.98

Estimulados pelo vislumbre das diferenças para melhor, pelo comportamento moderado da inflação, pelos juros ainda altos, pelas medidas de incentivo adotadas e pela operação competente da nova diretoria do Banco Central, os dólares de curto prazo começaram a voltar, a ponto de o BC ter que entrar no mercado comprando para evitar uma queda brusca demais que comprometesse as metas de saldo comercial acertadas com o FMI. O risco agora é de o real se valorizar demais…
A diferença para pior do Brasil, em relação aos países que passaram por crises semelhantes, é a situação fiscal frágil e a dívida pública muito alta, hoje na casa dos R$ 500 bilhões, representando cerca de 50% do PIB. Só os efeitos da desvalorização sobre essa dívida chegam próximos a R$ 100 bilhões (equivalente a cinco vezes a receita de R$ 22 bilhões conseguida com a privatização da Telebrás).
Portanto, é preciso ainda muita cautela e trabalho duro para reverter a situação delicada da economia, sem ficar refém do imediatismo histérico do mercado financeiro. Sobretudo agora, quando a briga sucessória (antecipada em pelo menos dois anos) está sendo travada à base de CPIs: dos Bancos (PMDB) e do Judiciário (PFL). Apesar de todas as atribulações vividas, infelizmente o desafio do governo continua o mesmo de quando o presidente assumiu o seu primeiro mandato em 01.01.95.

“O desafio é o país passar de uma recuperação cíclica para uma melhora estrutural de longo prazo.”

Adam Seitchik, vice-presidente do Wellington Management, administrador de recursos norte-americano, coluna Celso Pinto, 16.04.99