Cronicamente inviável?

 
Há um filme brasileiro recentemente lançado com este título: “Cronicamente Inviável.” É do cineasta paranaense, radicado em São Paulo, Sérgio Bianchi. A força da película está, segundo Fernando de Barros e Silva, editor do “Painel” da Folha de S.Paulo (na edição de 13.07.2000), na “abordagem antropológica que faz do Brasil, como se nos dissesse que somos uma ’sociedade de índios’, que sobrevive e se reproduz idêntica a si mesma há 500 anos, não apesar, mas justamente por ser cronicamente inviável (…) sua história é circular – ou gaguejante – e o progresso nela se faz à custa do atraso, que reproduz indefinidamente, deixando intacta a desigualdade social, o tema do filme.”
Essas reflexões se mostram oportunas no atual momento do país. A revista de negócios de maior circulação nacional, Exame, traz como destaque de capa de sua última edição (718) a matéria “Hora de Acelerar – Nunca as Empresas Tiveram Tantas Condições para Crescer”, enumerando diversas razões: inflação de 5%, juros em queda, vendas em alta, investimentos, novos empregos etc. De fato, com a situação externa aparentemente estável (os juros norte-americanos mais ou menos estacionados e as bolsas por enquanto estabilizadas), ficam evidentes algumas boas condições internas para a tão almejada e socialmente indispensável retomada do crescimento econômico sustentado. Em contraposição, as revistas semanais e os jornais de maior circulação estampam em suas manchetes os desdobramentos do mais recente escândalo nacional: os indícios de envolvimento de personagens dos mais altos escalões da República na liberação de verbas para a obra superfaturada do Fórum Trabalhista de São Paulo cuja investigação provocou, por sinal, a primeira cassação de mandato de um senador, pelo próprio Senado, por quebra de decoro parlamentar.
Não restam dúvidas de que há alguma coisa bastante errada numa sociedade movida a escândalos. Dá uma desconfortável sensação de déjà vu, de repetição, de circularidade. A revista Bundas, publicação semanal satírica (se declara o “oposto” da revista Caras), sucessora do jornal O Pasquim, de grande sucesso nos anos 70, publicou no seu número 47 (09 a 15.05.2000) uma entrevista com escritor Antônio Torres na qual ele diz:

“Vendo o que esse país foi no tempo do Brasil-Colônia, ligo a televisão, vejo o que rola no Congresso, tá tudo igual. Continuam os aventureiros, náufragos, contrabandistas e traficantes.”

Antônio Torres, escritor baiano, autor do livro “Meu Querido Canibal”

Ele está se referindo às características peculiares de nossa formação histórica (ver a respeito o excelente e acessível livro do jornalista Eduardo Bueno “Náufragos, Traficantes e Degredados – As Primeiras Expedições ao Brasil 1500-1531”, volume II da Coleção Terra Brasilis, Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 1998). Todo um passado que é imperioso superar mas que, infelizmente, não se consegue queimando etapas. O cientista político Sérgio Abranches, em recente artigo na revista Veja (03.05.2000) diz o seguinte:

“Jorge Luis Borges uma vez definiu o presente como o momento que contém um pouco de passado e um pouco de futuro. O nosso contém ainda muito passado e é preciso que ele não mate o futuro que queremos ter.”

Sérgio Abranches

Respondendo à pergunta do título: o Brasil não é cronicamente inviável, embora dê a impressão, às vezes, de fazer força para ser. Os avanços existem mas são lentos. O problema é que os desafios são grandes e precisam ser enfrentados, considerando nossa herança histórica mas sem ficar paralisado por ela. Um trabalho e tanto.