Brasileiro não gosta,mesmo, de democracia?

 
Notícia divulgada pelo portal Terra, reproduzindo outra do Financial Times, dá conta de que pesquisa realizada na América Latina por uma entidade chamada Latinobarómetro constata que apenas 30% dos brasileiros acreditam na democracia, destacando que:

“Os latino-americanos aparentemente estão desencantados com a incapacidade dos políticos de resolver os problemas econômicos e promover a igualdade. Os latino-americanos acreditam mais na Igreja Católica, na televisão e nas Forças Armadas, nessa ordem, do que em seus respectivos presidentes, polícia e poder judiciário.”

www.terra.com.br, 03.08.2001

Assim como, segundo Nelson Rodrigues, “toda unanimidade é burra“, pode-se dizer que toda generalização é grosseira. Daí, ser necessário, no mínimo, algumas considerações sobre a generalização de que o brasileiro não gosta de democracia que somos forçados a fazer ao tomar conhecimento da pesquisa. Em primeiro lugar, vale a pena, retomar a velha tirada irônica de Churchill.

“A democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos.”

Winston Churchill, 1874-1965, estadista inglês

Qualquer outro regime político já tentado, como diz Churchill, tem o sério inconveniente de forçar a imposição da vontade de alguns sobre a vontade da maioria e, aí, independente de sua coloração ideológica, torna-se autoritário e, portanto, antidemocrático.
A democracia, embora seja inevitável, é, de fato, algo ainda mais exigente num país forjado sob a égide do autoritarismo (ver a respeito número 190). Em 500 anos de história, só tivemos, na prática, 37 de regime democrático (pouco mais de 7%). Foram os anos da redemocratização, após a segunda guerra (1946 a 1964) e depois do fim dos governos militares (1986 a 2001). O período da chamada República Velha (da Proclamação da República até o Estado Novo) não conta. As eleições eram viciadas, feitas “a bico de pena”.
Com tão pouca prática histórica da democracia política, talvez não fosse de estranhar essa preferência tão escassa pelo regime.
Mas só essa explicação não parece ser suficiente. Os resultados da pesquisa e os comentários que a acompanham indicam um forte componente de desilusão. Como se a democracia tivesse sido oferecida feito um remédio para todos os males do país e, não resolvendo tudo (e até criando outros), passasse a ser desprezada. Some-se a isso o verdadeiro festival de escândalos, com a exposição na mídia de todo tipo de falcatruas perpetradas por políticos da mais alta extirpe, e tem-se o resultado apontado.
A conclusão parece mais ou menos lógica: “democracia para quê se só serve para os políticos fazerem safadeza, enquanto o povo vive na mais dura condição social?. Não seria melhor uma ditadurazinha que acabasse com essa pouca vergonha e, de quebra, desse melhores condições de vida para o povo?
Contra esse raciocínio aparentemente cristalino, há duas coisas a fazer por parte da minoria que vai além dele: a defesa intransigente da democracia no cotidiano e a prática severa e sem complacência do voto conseqüente. Se todo cidadão consciente não votasse, sob nenhum pretexto, num político afeito a uma falcatrua, em alguns anos o quadro estaria bem melhor.
Portanto, se é verdadeiro o resultado da pesquisa, o futuro da democracia no país (e, de resto, o próprio futuro do país já que ele não o tem fora da democracia) depende da minoria (os 30%) que acreditam na sua importância. A responsabilidade é, pois, muito grande.