O que podemos aprender coma persistente crise da Argentina?

 
A Argentina é um dos cinco fatores críticos de sucesso para a economia brasileira em 2002 (ver a respeito o Gestão Hoje 355). Os outros quatro são: a Crise Energética, a Guerra ao Terrorismo, a Economia Mundial e as Eleições. Dependendo de como evoluírem, seus impactos terão maior ou menor força sobre o desenvolvimento da economia do país, cujo desempenho previsto é, visto da perspectiva atual, melhor do que o do ano que passou.
A instabilidade da economia argentina já impacta há pelo menos dois exercícios (2000/2001) a economia brasileira e constituiu-se em fator relevante na desvalorização do real em meados de 2001 (que, no auge do processo, chegou a atingir depreciação de quase 45% em relação ao dólar). Todavia, nos dois últimos meses de 2001, sobretudo em dezembro, observou-se o fenômeno do “descolamento” da crise argentina das expectativas em relação à economia e seus fundamentos no Brasil.
Curiosamente, foi justo nesse período que a crise econômica no vizinho transbordou, de forma surpreendente, para o campo social com repercussões políticas completamente inusitadas. Foram nada menos que cinco presidentes da República em 12 dias, algo talvez inédito na história do continente.
Na semana passada, depois de um amplo processo de negociação, foi eleito o senador Eduardo Duhalde à frente de um “governo de unidade nacional” que congrega os três principais partidos argentinos. Embora aparentemente seja uma alternativa politicamente mais consistente que as anteriores (Duhalde, pelo menos, ri muito menos que o seu breve antecessor, Rodríguez de Saá), não há nenhuma garantia de que a crise esteja no caminho de ser debelada. Em editorial sobre a situação argentina, o jornal O Globo recupera uma opinião do ex-ministro Simonsen para alertar sobre a imprevisibilidade da situação atual.

“Mário Henrique Simonsen costumava alertar que em economia não há fundo do poço. Uma situação já dramática pode deteriorar-se em velocidade crescente rumo ao caos.”

O Globo, 01.01.2002

De todo esse imbroglio da Argentina, talvez a principal lição que podemos tirar é a destacada por outro editorial recente, dessa vez da Folha de S. Paulo:

“Uma das lições da crise argentina é a de que sem crescimento não há política econômica eficaz.”

Folha de S. Paulo, 28.12.2001

De fato, pela insistência, que foi além de todos os limites que pudessem ser considerados razoáveis, em manter a paridade cambial (um peso = um dólar), depois de quase onze anos, a economia argentina perdeu toda capacidade competitiva e entrou numa recessão difícil de debelar. A taxa de câmbio irreal (estima-se que esteja valorizada em mais de 40%) impede as exportações e, por isso, não há dólares para pagar os compromissos nem para movimentar a economia que, por conta da paridade, fica do tamanho das reservas em moeda forte. Sem desvalorizar o peso, só se pode tentar corrigir o desajuste com medidas socialmente custosas. Resultado: a corda foi esticada além da conta e partiu.
No Brasil, a desvalorização foi feita a tempo, ainda que a um custo alto. (Estima-se que a “proteção” dada, no final das contas, pelo governo às empresas e aos aplicadores, em forma de venda de dólares e títulos com variação cambial, tenha atingido a casa dos US$ 100 bilhões, fazendo com que a dívida do setor público saltasse de 34,5% do PIB, em dezembro/97, para mais de 50% em 99.)
Por aí se vê como não vai ser fácil para a Argentina fazer a transição necessária. E se vê também que, embora a nossa situação seja hoje bem melhor, não é nada prudente esticar a corda da falta de crescimento em um país que só de gente vivendo abaixo da linha de pobreza tem uma população 50% maior que a argentina.