Na semana passada, apesar da equipe econômica ter tomado a necessária iniciativa e adotado várias medidas para enfrentar a crise em curso, a volatilidade do mercado financeiro ainda permaneceu alta.
O dólar fechou valorizado, a bolsa em baixa e o risco-país deu outro salto, ultrapassando a barreira dos 1.300 pontos, o que colocou os papéis da dívida brasileira como o terceiro pior risco para investimentos do mundo, abaixo apenas dos da Argentina (com mais de 6.300 pontos) e da Nigéria (com mais de 1.400 pontos), e à frente do Equador, da Colômbia e da Venezuela.
A pergunta que fica na cabeça de todo mundo é: se os fundamentos econômicos brasileiros são melhores do que os de todos esses países, porque isso não está sendo reconhecido pelo mercado?
Para tentar responder à pergunta, vale a pena fazer um pequeno retrospecto do que foi o governo FHC em termos econômicos. Nele, identificam-se duas fases bem nítidas. A primeira, praticamente coincidente com o primeiro mandato, poder-se-ia chamar de Populismo Cambial e a segunda, iniciada após a desvalorização cambial de janeiro/99, de Realismo Fiscal.
A fase do Populismo Cambial caracterizou-se pelo sonho da paridade (US$ 1,00 = R$ 1,00) e pelo que se convencionou chamar de âncora cambial para segurar a inflação. A fase do Realismo Fiscal iniciou-se com o acordo firmado com o FMI que estabeleceu a produção de superávites fiscais (âncora fiscal) superiores a 3% do PIB e a estabilização da relação dívida interna x PIB na casa dos 50%.
O grande vilão dessas duas fases foram os juros básicos da economia que chegaram, várias vezes, a atingir a posição de mais altos do mundo.
Na fase do Populismo Cambial, os juros tiveram que ficar altos (várias vezes ultrapassaram a casa dos 40% ao ano) para atrair dólares para o país e, com isso, garantir a manuteção, em níveis elevados, das reservas e manter forte a âncora cambial. Quando se fez a desvalorização e foi estabelecido o mecanismo do câmbio flutuante, no início da fase do Realismo Fiscal, os juros, embora mais baixos, ainda tiveram que ficar, em média, mais de dez pontos percentuais acima da inflação, para enxugar a liquidez da economia e manter o custo de vida dentro dos limites estabelecidos pelo sistema de metas adotado.
Esses juros estratosféricos foram e continuam sendo os principais responsáveis pela elevação explosiva da dívida interna, hoje na casa dos 56% do PIB. Não é propriamente o tamanho da dívida que preocupa e, num momento de turbulência como o atual lança dúvidas sobre a capacidade do governo para saldá-la, mas o seu perfil e a velocidade de crescimento (a dívida pública mobiliária federal passou de R$ 61 bilhões em 30.06.1994 para R$ 624 bilhões em 31.12.2001). É um avanço que assusta a quem não está por dentro do seu perfil.
Desse total, cerca de R$ 300 bilhões são decorrentes da federalização da dívida dos estados e municípios, e cerca de R$ 130 bilhões de “esqueletos” fiscais diversos assumidos pelo governo federal. (Essa consolidação de dívidas é, aliás, uma das principais contribuições do governo FHC ao futuro do país e requererá, pelo menos, um Gestão Hoje para comentar).
Por aí se tem uma idéia de que, apesar do crescimento ter sido rápido, a dívida tende à estabilidade, apesar dos juros altos. Todavia, o investidor estrangeiro não sabe bem disso e quando lê que alguém falou em reestruturação da dívida interna, entende que está pintando um calote e vende os títulos da dívida externa que tem em carteira. Resultado: aumenta o risco-país.
Por isso, não se pode fazer marola por aqui. Tanto o governo quanto os candidatos a presidente têm que ter a responsabilidade cívica de não fazer terrorismo com esse negócio do Brasil virar Argentina ou de insinuar que vai haver calote da dívida interna. A irresponsabilidade pode se transformar em profecia que se auto-realiza e, isso, seria catastrófico.