A verdadeira arte de dizer "não"é evitar que o destinatário fique magoado

 
Assim como precisamos aprender a dizer “não”, com veemência, àqueles que nos roubam a dignidade de cidadãos (ver número 456), precisamos, também, aprender, no exercício do nosso papel profissional, a dizer “não” àqueles que nos tomam, de forma descabida, o precioso tempo cotidiano.
Com uma diferença: no caso deste “não”, é fundamental proceder com cuidado e atenção. Afinal, se nos pedem algo, mesmo que descabido, é porque nos é reconhecida a necessária competência para realizar a coisa pedida. Raramente alguém pede algo importante a quem considera incompetente.
“Basta demonstrar um mínimo de aptidão para resolver problemas para que todos (colegas, superiores, subordinados, cônjuges, filhos, amigos) nos procurem em busca de soluções. Uma a uma, as obrigações caem sobre nossas costas…”
Jean-Louis Servan-Schreiber
Recusar, portanto, o que não cabe é, muitas vezes, uma questão de “sobrevivência” profissional porque quem tem responsabilidade não tem tempo sobrando para fazer tudo o que lhe pedem. Se tentar, fracassará. Recusar, sim, mas (como diz Servan-Schreiber, em seu ótimo livro “A Arte do Tempo”, Cultura Editores), “sem magoar”.
Isso porque se, só para trabalhar uma hipótese radical, resolvêssemos responder a tudo com um não peremptório, em pouco tempo não nos pediriam mais nada e deixaríamos de ter “demanda”. Todo “não” dito fecha uma porta e, se não cuidarmos, em pouco tempo não restará mais nenhuma porta aberta. Ficaremos cheios de tempo mas sem ter nada de relevante para fazer. Isso é fundamental para quem presta algum tipo de serviço.
Luiz Carlos Martins no livro “Assertividade – A Arte de ser Objetivo” (Editora Suma Econômica), sugere:
“Você pode ser sincero usando a imaginação. Use recursos de linguagem que lhe permitam dizer não da forma mais prudente possível. O tom da voz, a tranqüilidade e a exposição clara dos seus motivos podem minimizar o problema.”
Luiz Carlos Martins
Nesse empenho, duas coisas são fundamentais: (1) não inventar nenhum motivo mirabolante (é preferível dizer, com jeito, a verdade, ainda que não seja preciso entrar em demasiados detalhes); (2) sempre que possível, oferecer uma alternativa ao solicitante (orientar sobre como fazer; recomendar a procura de outra pessoa mais capacitada e/ou com mais disponibilidade etc.).
Com jeito, dizer “não” sem causar estragos passa a ser uma questão de tempo e de treino. As pessoas vão se acostumando a selecionar seus pedidos, como destaca Elaine St. James, autora do livro “Simplify your Life: 100 Ways to Slow Down and Enjoy the Things that Really Matter”:
“…quanto mais freqüentemente você disser não, mais fácil se tornará. E, quanto mais você disser não, menos freqüentemente você será o primeiro a ser requisitado.”
Elaine St. James
Para Servan-Schreiber, a maioria das causas da má administração do tempo decorre de apenas duas incapacidades: (1) a de dizer “não” (que permite a invasão de visitantes, telefonemas longos, saídas inúteis, tarefas dispensáveis, cansaço); e (2) a de delegar tarefas (realizáveis por outros, muitas vezes, até, melhor). St. James faz uma citação ilustrativa:
“O homem verdadeiramente livre é aquele que pode declinar um convite para jantar sem ter que dar uma desculpa.”
Jules Renard, dramaturgo
E sem deixar magoado(a) quem convidou.