Governo no inferno astral:escândalo político e PIB negativo

 
Nas últimas semanas, o governo parece que entrou numa espécie de inferno astral de onde não está fácil sair. Tudo começou quando surgiu nas telas um vídeo no qual um graúdo assessor parlamentar da Casa Civil (na época presidente da Loteria do Rio de Janeiro), homem de confiança do super ministro José Dirceu, pede a um declarado contraventor do jogo do bicho ajuda financeira para candidatos do PT e, de troco, uma parte para si mesmo. Em contrapartida, oferece facilidades numa concorrência pública.
O episódio expõe com toda clareza, pelo menos, duas coisas muito graves: (1) o esquema de financiamento de campanhas políticas, de todos conhecido mas por ninguém publicamente admitido; (2) a participação do PT num esquema do qual anunciava estar excluído, posando de reserva da moralidade nacional. Postura da qual, pela fala de alguns dos seus membros, parece começar a se arrepender.
“No passado fomos bem rigorosos. Diria até um pouco excessivos na fiscalização. Tudo em nome do nosso compromisso com a ética. O PT merece fazer um autocrítica e reconhecer que muitas vezes fomos precipitados.”
Patrus Ananias, Ministro do Combate à Fome
Agora, na condição de vitrine, o PT governista começa a aprender como tratar de questões que, antes, na cômoda posição de pedra, lidava de forma que beirava a irresponsabilidade, quando não a ultrapassava em nome da “moralidade”.
Não é fácil ser governo, como não é fácil governar um país com a magnitude dos problemas que tem o Brasil. O que a maioria do país esperava do partido ao colocá-lo no governo era algo diferente do que se acostumara a ver.
Infelizmente, na primeira grande prova de fogo política a qual foi submetido, o partido fraquejou.
“É lamentável que o PT, com sua história e sua tradição tão peculiares no cenário político nacional, se encontre agora enredado em escândalos tão iguais aos de outros partidos que viviam sob sua mira. O governo petista está, na prática, pagando pela escolha de agir, durante a crise, à imagem e semelhança de todos os outros governos.”
Revista Veja, 03.03.2004
Isso, com o agravante de não ter a experiência deles para lidar com os inevitáveis desdobramentos que uma crise dessa magnitude tem.
E como se não bastasse a queda provocada pelo escândalo da propina eleitoral, para completar o quadro de inferno astral, na sexta-feira passada o governo recebeu o coice da divulgação do crescimento do PIB em 2003: queda de 0,2% em relação a 2002. Algo que não se via desde 1992. Elio Gaspari informa, em sua coluna deste domingo, que nos últimos 60 anos só dois presidentes tiveram resultado pior: João Figueiredo e Fernando Collor.
Duas conseqüências podem ser vislumbradas desse mais recente escândalo: (1) possibilidade do início do tratamento sério do problema do financiamento das campanhas eleitorais; e (2) desgaste do ministro José Dirceu com o conseqüente fortalecimento da ortodoxia da equipe econômica e adiamento da retomada do desenvolvimento sustentado.
“O escândalo (…) já terá valido a pena se servir para o país finalmente atacar uma eterna e inesgotável fonte de corrupção de grosso calibre: o financiamento das campanhas eleitorais.”
Ricardo A. Setti, revista Exame, 03.03.2004
“Dirceu é o único em condições de ousar enfrentar a armadilha da atual política econômica sem entrar nos limites de irresponsabilidade populista.”
Luís Nassif, Folha de S. Paulo, 26.02.2004