Desorganização do tráfego aéreo émais uma conseqüência da falta de crescimento


Depois do acidente envolvendo o avião da Gol e o jato executivo Legacy,  em que morreram os 154 ocupantes do avião de carreira, foi exposta uma realidade sobre o controle do transporte aéreo no país que era do desconhecimento de todos, sobretudo daqueles que o utilizam com regularidade. A respeito do assunto e relacionando-o com a situação do setor público no Brasil, o jurista e professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, Fábio Konder Comparato, escreveu um artigo exemplar que merece citação.

“O descontrole geral do tráfego aéreo no país, após o pior desastre da história da aviação nacional, não foi infelizmente um episódio isolado. Ele sucedeu, com regularidade perversa, ao ‘apagão’ geral de 2001, à falência do sistema público de saúde no Rio de Janeiro e ao colapso do sistema de segurança em São Paulo no primeiro semestre deste ano. Todos esses descalabros eram plenamente previsíveis, mas nenhum deles foi prevenido.â€?

Fábio Konder Comparato, Folha de S. Paulo, 12.11.06

Trata-se o recente episódio, como muito bem destaca Comparato, de mais um no âmbito da completa incapacidade do Estado brasileiro de promover o desenvolvimento como é de sua responsabilidade.

“A estrutura do Estado brasileiro é absolutamente inadequada para o desempenho de sua função mais importante: promover o desenvolvimento nacional.â€?

Fábio Konder Comparato

Só com recursos para investimentos e para utilização no que é prioritário para o desenvolvimento é possível sair dessa verdadeira armadilha fiscal na qual o país está metido. Cortam-se as despesas linearmente para adequar à receita pública e, com isso, manter o ajuste fiscal, fortemente influenciado pelo peso dos juros na despesa.

“Haverá ainda algum economista capaz de sustentar, honestamente, que a reserva de mais da metade do Orçamento da União para o serviço da dívida pública não inviabilizará qualquer projeto de crescimento econômico do país?â€?

Fábio Konder Comparato

Com pagamento de juros altos, despesas obrigatórias elevadas e despesas correntes em ascensão, o resultado é uma carga tributária elevadíssima (próxima a 40% do PIB) para fazer face às obrigações, sem sobrar praticamente nada para investimento. Sem investimento público a infra-estrutura fica comprometida e em estado de deterioração acelerada. Sem investimento e com infra-estrutura (portos, estradas, energia etc.) deficitária, o crescimento fica comprometido. Sem crescimento, não sobra dinheiro para investimento e mantém-se o ciclo vicioso. E o mais triste disso é que nada foi discutido na eleição que terminou…

“Como se pôde perceber na última campanha eleitoral, ninguém no meio político faz a mais remota idéia sobre o futuro do país. Cada qual só pensa nas próximas eleições, e não na próximas gerações de brasileiros.â€?

Fábio Konder Comparato

Aí, a situação vai-se deteriorando, atingindo até o controle do tráfego aéreo e ajudando a construir tragédias.  Nada no debate político pré e pós eleitoral parece apontar mudanças neste quadro. Cabe-nos falar no assunto para compreendê-lo melhor e influenciar na mudança. Caso contrário, ficaremos a mercê de mais um apagão. Desta vez, aéreo.