Um líder não pode justificar a inaçãoalegando não saber da gravidade do problema

 

Como foi visto no número anterior (GH/650), uma crise, qualquer crise, requer, de forma mais aguda do que nas situações normais, liderança firme. Neste particular, a crise da aviação civil, depois de transitar acéfala por mais de dez meses entre os dois maiores acidentes aéreos da história do Brasil, recebeu o alento da substituição do ministro da Defesa por outro aparentemente bem mais ativo e firme. Todavia, mal o novo ministro sentou-se na cadeira, vem o presidente da República, dirigente supremo da nação, e declara que não sabia da gravidade da situação e, certamente por conta disso, deixou o assunto tanto tempo “sem dono”.

“É como um paciente que não soubesse a gravidade da doença e aí, quando vê, está com metástase no corpo todo (…) Cachorro com muito dono morre de fome porque ninguém cuida.”

Presidente Lula, Folha de S. Paulo, 03.08.07

Embora a citação tenha sido indireta, segundo a Folha de S. Paulo foi relatada por participantes de uma reunião com ministros e líderes partidários, merece crédito por conta das repetidas vezes em que o presidente disse coisa parecida acerca de outros problemas. Quando age desta maneira, na realidade, o presidente parece confundir duas das funções que são de sua responsabilidade e, de resto, de todos os que ocupam cargo diretivo: liderança e comunicação. No que diz respeito à comunicação, o seu desempenho tem sido excepcional. Falando para uma parcela da população que não anda nem nunca andou de avião (segundo a última pesquisa Datafolha, 92% da população diz não viajar de avião), o que o presidente declara surte muito efeito.

“O maior acidente aéreo do país e a crise da aviação que se estende há mais de dez meses não afetaram a popularidade do presidente Lula. (…) 48% dos brasileiros consideram que o governo Lula continua ótimo e bom. O índice é igual ao levantamento de março.”

Folha de S. Paulo, 05.08.07

Sobre o particular da comunicação, a atuação do presidente pode ser classificada de excepcional. Trata-se, sem sombra de dúvidas, do maior comunicador político da história do país. Ele utiliza como ninguém a habilidade desenvolvida nos tempos de sindicalista quando conduzia, com grande competência, assembléias de milhares de metalúrgicos em São Bernardo do Campo. Ele sabe como nenhum outro político falar a língua do povo, no caso, da grande maioria da população que não anda de avião.

“Entre as explicações para a não-alteração da popularidade do presidente no período estão o fato de que a maioria dos brasileiros é pobre (59,5% têm renda familiar de só até três salários mínimos por mês, ou R$ 1.050) e a constatação de que apenas uma minoria viaja de avião (8%).”

Folha de S. Paulo, 05.08.07

A mesma habilidade, infelizmente, não se pode dizer do desempenho da função de liderança. O desconhecimento da gravidade de uma situação não pode ser jamais justificativa para dez meses de inação.

“Liderança não é carisma. Não é ‘relações públicas’, não é exibicionismo. É performance, comportamento consistente.”

Clemente Nóbrega, consultor e escritor brasileiro

Ao confundir as duas funções e tentar superar o fraco desempenho de uma com o excepcional desempenho da outra, o presidente dá um mau exemplo de gestão e aumenta o fosso entre os que o apóiam pela comunicação e os que o criticam, de forma cada vez mais acentuada, pela liderança.