Estamos trabalhando quando temosuma idéia produtiva na poltrona do cinema?

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O tema tratado no Gestão Hoje anterior, suscitou, como era de se esperar por seu caráter polêmico, uma série de comentários, todos pertinentes, embora alguns contrários à tese desenvolvida, como pode ser conferido no blog do informativo (ver GH/700). A questão que parece central na abordagem do assunto é a da cada vez mais difícil separação entre trabalho, estudo e tempo livre. Já foi editado, inclusive, um informativo específico sobre o assunto (ver GH/573). Pela importância do tema, todavia, vale a pena repetir o comentário de Domenico De Masi:

“Chegará o dia em que 100% do trabalho humano será intelectual. (…) Quando o trabalho é executado com a cabeça, ele anda sempre com você, pode ser carregado para todos os lados e é possível fazê-lo no domingo à noite, na praia ou enquanto se lava a louça.”

Domenico De Masi, sociólogo italiano

À exceção dos trabalhos puramente físicos, franca minoria no mundo contemporâneo, todos os demais feitos “com a cabeça”, são intelectuais, portanto. Todos caminhamos para ser, na expressão de Peter Drucker, “trabalhadores de conhecimento”. E, quando o trabalho habita a cabeça, é impossível “deixá-lo no escritório” quando se sai. Vai conosco para todo canto, inclusive para os locais e tempos de lazer.

“Eu tenho um pouco de dificuldade em distinguir trabalho de ócio. Não posso ficar parado, catatônico. Mas ir ao cinema, para mim, é trabalho.”

Chico Buarque, compositor e escritor brasileiro

É possível que, pelo fato de Chico Buarque ser compositor e escritor, alguém ache que considerar também trabalho ir ao cinema seja uma prerrogativa só para quem é artista. Mas, quem, no meio de um filme, não teve uma idéia importante para o trabalho? Ou, numa atividade tipicamente de lazer, não teve uma idéia que se mostrou muito valiosa para resolver algum problema importante no trabalho ou fora dele? Domenico De Masi chega, mesmo, a dizer que as melhores idéias só chegam, de fato, fora do trabalho.

“Pode-se ter uma bela idéia na poltrona do cinema, na fila do cinema. Difícil é tê-la no escritório. E o importante para a empresa moderna não é possuir o tempo do colaborador, mas as idéias dele.”

Domenico De Masi

Essa é que parece ser a questão relevante capaz de quebrar o conceito de dicotomia entre trabalho e tempo livre para o lazer. Antes da emergência da radical intelectualização do trabalho (uma característica eminentemente pós-moderna ou pós-industrial), era possível fazer com mais clareza essa distinção: aqui fica o trabalho, aqui começa o tempo livre. Agora, isso é cada vez mais difícil e não deve ser encarado como um retrocesso, muito pelo contrário.

“A fronteira cada vez mais cinza entre trabalho e lazer não deve ser encarada como um retrocesso, mas sim como uma evolução na forma como dividimos nosso tempo.”

José Luiz Rossi, diretor PWC Consulting

O essencial é não se angustiar em excesso com isso e aprender a lidar com essa fronteira cada vez mais imprecisa. Não deixar de programar as atividades de descanso (ver a propósito do tema os números 569, 572 e 573) nem reprimir as idéias que surgem porque estariam no lugar indevido. Claro que a questão é polêmica e dá ensejo a opiniões diversas mas que é um assunto que veio para ficar, lá isso veio. Ao que tudo indica, os que insistem na manutenção de uma hipotética separação nítida vão ter cada vez mais contestação.