Nem Belíndia nem Banglabânia,o Brasil depois do Real está mais para Ingana

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No ano de 1974, o economista Edmar Bacha escreveu uma fábula que popularizou o termo “Belíndia” definindo o que seria a distribuição de renda no Brasil naquela época: uma mesclagem da Bélgica (pequena e rica) e a Índia (grande e pobre). No topo da pirâmide, uma pequena parcela da população (Classes A e B) e na base a grande maioria, pobre e destituída de recursos.

“Na época, a narrativa foi usada para criticar a política econômica concentradora de renda do regime militar.”

Época Negócios, 06.05.09

35 anos depois, em entrevista à Folha de S. Paulo a propósito dos 15 anos do Plano Real, Edmar Bacha, considerado um dos seus “pais”, faz uma correção na sua definição de país, considerando o sucesso do plano e as mudanças enfrentadas pelo Brasil nos últimos anos.

“A desigualdade ainda é um traço forte, mas a combinação de crescimento com estabilidade e programas sociais melhora muito a parte ‘Índia’ do Brasil. Sob esse ponto de vista, não é mais correto falar em Belíndia. Talvez o termo composto proposto por Delfim Netto seja hoje mais apropriado: Ingana – impostos da Inglaterra e serviços públicos de Gana. De qualquer modo, pelo menos conseguimos evitar a Banglabânia – Bangladesh com Albânia – que Mário Henrique Simonsen tanto temia.”

Edmar Bacha, Folha de S. Paulo, 01.07.09

A expressão “Ingana” foi criada pelo economista e ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento, Antonio Delfim Netto, justamente para caracterizar a nova realidade brasileira pós-estabilização com carga tributária de países desenvolvidos e serviços públicos de países subdesenvolvidos como é o caso de Gana. A propósito da carga tributária, na semana passada, foi divulgado o recorde atingido em 2008 (36% do PIB).

“A carga tributária, que havia oscilado em torno de 25% da renda nacional por 30 anos, saltou para patamares que praticamente só existem nos países com experiências comunistas ou social-democratas.”

Gustavo Patu, Folha de S. Paulo, 08.07.09

Dois fatores contribuíram para esse aumento de cerca de 10 pontos percentuais ao longo dos últimos anos: as obrigações criadas pela Constituição de 1988 que desenhou um estado distributivista e a estabilização macroeconômica que transformou a inflação crônica em dívida e requer recursos volumosos para pagamento da sua rolagem. Com um agravante: a arrecadação se dá predominantemente sobre os tributos indiretos, o que penaliza, e muito, os mais pobres.

“Em vez de privilegiar a tributação direta e progressiva da renda, como se faz nos países de tradição social-democrata, optou-se por concentrar a arrecadação em tributos indiretos, que oneram mais a parcela mais pobre da população.”

Gustavo Patu, Folha de S. Paulo, 08.07.09

Essa é uma nova característica do país que Edmar Bacha diz não ser mais uma Belíndia e Delfim Netto chama de Ingana: fez grandes avanços sociais mas aumentou bastante a carga tributária, em especial sobre os mais pobres, além de manter a prestação dos serviços públicos em patamares considerados muito precários. Mas isso já é assunto para um próximo GH.