“… se você vê que a empresa está em crise mas não percebe que é a nossa maneira de abordar a crise que não é mais adequada, ou você é muito desatento, ou deve ser executivo.”
Clemente Nóbrega, físico, Diretor de Marketing da Amil, grande empresa seguradora de saúde do eixo Rio-São Paulo, autor do livro “Em Busca da Empresa Quântica”, revista Exame, 25.03.98
Essa provocação aos executivos feita por Clemente Nóbrega, ele próprio um executivo, vem ilustrar uma tendência muito forte nos dias de hoje que é a de super dimensionar a “crise.” A todo momento ouve-se: “o mercado está em crise”, “o segmento (de negócio) está em crise”, “o estado está em crise”, “o país está em crise.” São lugares-comuns intermináveis, produzindo um tipo de convicção que merece questionamento.
É sempre com uma tinta negativa, depressiva ou inquietante que se está colorindo o chavão da “crise” para falar de tudo e de todos os momentos, chegando, por vezes, a formulações quase apocalípticas como a de “crise da humanidade”, espécie de antecedente do auto extermínio da raça humana (Sobre crise ver também os C&T, 89 e 152).
O fato é que as certezas de um ambiente previsível e harmonioso estão indo de água abaixo. Parece que teremos que acabar de vez com a ilusão de um mundo seguro, com mercados estáveis, clientes conformados, concorrentes tímidos, governos protetores, imprensa benevolente… ou seja, um mundo onde as empresas podiam reinar, soberanas, bem estabelecidas no que elas mesmas definiam como certo, onde nossas convicções podiam não ser postas à prova nem questionadas, onde tínhamos certezas de como fazer as coisas. Um mundo que, na verdade, nunca existiu nem existirá, embora sempre sobreviva como mito.
Hoje, a realidade em qualquer campo exige a disposição continuada e incessante de enfrentar exigências de mudança, de considerar as demandas dos outros (clientes, empregados, fornecedores), seus questionamentos e suas críticas. Exige, também, e de modo radical, que cada um de nós (sobretudo se temos responsabilidade sobre a gestão de pessoas) assuma a parte que nos cabe na construção de um futuro difícil mas possível.
Quando bancamos correr riscos, aprender e, até, ousar, descobrimos que as “crises” são menos críticas e que, na maior parte das vezes, trata-se é de enfrentar novos desafios (que, de fato, podem ser ameaças se não enfrentados), de ver as coisas de modo diferente do que nos acostumamos e de começar a fazer mudanças porque o que nos rodeia já mudou ou está mudando, e rápido, apesar das nossas resistências (muitas vezes, até, legítimas).
Nesta verdadeira luta sem quartel contra o negativismo do “discurso da crise”, dentro e fora da empresa, o papel mais importante cabe aos “comandantes”(os executivos, os líderes, os responsáveis pela gestão das equipes). É preciso disposição, estímulo à inovação e à autonomia, além de entusiasmo com o futuro que pode ser construído. Se o comandante desesperar, ou esmorecer, mesmo que seja por “miopia”, aumenta muito mais o risco do barco terminar afundando.