Um balanço do governo FHC

Depois que caiu nas pesquisas e chegou virtualmente a empatar com Lula, Fernando Henrique tem sido alvo de uma série de críticas “interpretativas” de seu governo que procuram apontar os erros que teriam levado à queda nas intenções de voto. Assim como foi feito em relação a Lula, é preciso uma análise mais cuidadosa da questão.
O Conjuntura & Tendências há tempos vem, em vários dos seus números, tecendo considerações em torno daquele que considera o principal pecado do governo FHC: a insustentável, no médio prazo, política de estabilização da economia, esticada além da conta com fins reeleitorais, sem as indispensáveis correções estruturais de rumo. De fato, analisada por uma ótica criticamente severa, a história do governo FHC foi a da administração de um plano de derrubada de uma inflação crônica de décadas, muito bem formulado, implantado com precisão cirúrgica e cuidadosamente conduzido de modo a que pudesse garantir a reeleição para a qual foi dedicada a atenção principal de toda a segunda metade do mandato. Três conseqüências sérias: a dívida pública total (governo federal, estados, municípios e estatais) passou de R$ 155 bilhões em dezembro/97 para R$ 324 bilhões em maio/98 (109% de aumento nominal em três anos e meio); crescimento baixo; desemprego alto.
Fora, entretanto, esses pecados que podem vir a ser mortais diante de uma escalada imprevisível da crise financeira internacional, o governo FHC teve méritos que não é justo esquecer nesta hora em que se coloca para o julgamento das urnas.
MÉRITOS DE FHC

  1. Restauração da Respeitabilidade da Presidência:
    Depois de mais de 15 anos ininterruptos de ocupação folclórica (cavalo, bigode, bravatas, topete), a Presidência da República atingiu um perigoso índice de desmoralização. Eleito, Fernando Henrique ocupou-se de resgatar a respeitabilidade do cargo, conseguindo, inclusive, expressivo reconhecimento internacional.
  2. Instauraçao de um Mínimo de Previsibilidade Econômica:
    Depois de décadas de inflação crônica e de desorganização da economia, Fernando Henrique, primeiro como Ministro da Fazenda, depois como Presidente, teve o mérito indiscutível de coordenar uma equipe competente na elaboração e execução de uma estratégia de estabilização bem sucedida, conferindo à economia um nível de previsibilidade desconhecido por uma geração inteira.
  3. Acerto de Prioridades:
    As prioridades dadas pelo governo à Educação, à Saúde e à Comunidade Solidária são, do ponto de vista social, corretas. Se não conseguiu os resultados necessários foi devido menos à preocupação em acertar do que ao passivo de 500 anos de desmantelos (Nelson Rodrigues já tratou do assunto: “Subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos.”).
  4. Início da Remontagem do Estado:
    O princípio da privatização das estatais produtoras de bens e serviços que não devem ser de responsabilidade pública, aliado à lógica da reforma administrativa são fundamentais para que o estado brasileiro, reorganizado, possa cumprir o seu indispensável papel de fiador do desenvolvimento econômico e social.
  5. Introdução do Realismo no Ambiente Empresarial:
    Por terem passado muitos anos protegidos da concorrência internacional, muitos setores (e, neles, muitas empresas) acostumaram-se mal às regras competitivas vigentes no resto do mundo. Hoje, por conta de terem de se adequar à nova realidade, muitas empresas promoveram modificações profundas no seu funcionamento, estando mais fortalecidas, do que estavam antes, para a concorrência e, portanto, para a sobrevivência.

Se reeleito, Fernando Henrique, apesar desses acertos, não encontrará facilidades no segundo mandato. Terá que desatar o nó górdio que deu na economia para diminuir a vulnerabilidade internacional, destravar as condições internas do crescimento econômico e atacar, com todo vigor, a deterioração das condições sociais (desemprego, violência nas cidades e no campo, desesperança). Não é pouco mas, hoje, é o mínimo que se espera de um governo conseqüente.