“A economia complicou-se a tal ponto que nenhum economista a entende, seja heterodoxo ou de FMI.”
Mário Henrique Simosen, revista Exame, 04.03.92
Circula na bolsa de apostas da previsão econômica no país uma nova tese: por conta da alta do dólar e do aumento dos custos de produção, existe uma inflação reprimida que não chegou ainda nos preços ao consumidor em razão de a economia estar em recessão. Conclusão lógica: logo, portanto, que a economia voltar a crescer essa inflação, sem o freio da demanda contida, se refletirá nos índices do varejo.
Antes de discutir a nova tese, vale a pena tecer alguns comentários introdutórios. O Brasil talvez seja o país onde existam mais economistas macroeconômicos por metro quadrado no mundo (isto, sem contar os estrangeiros que aparecem por aqui e aqueles que emitem suas opiniões de lá mesmo dos seus países de origem). Cada qual com seus credos, conhecimentos, interesses e opiniões categóricas. Todos fazendo previsões e mais previsões sobre o comportamento da economia, deixando confusas as pessoas que precisam estar atualizadas com as tendências econômicas para melhorarem a qualidade das decisões que têm que tomar sobre seus negócios ou suas contas pessoais. Certamente, na base da demanda por tamanha profusão de opiniões está o fato de termos vivido tanto tempo sob regime de inflação crônica (caso talvez único no mundo), de beirarmos vezes seguidas a hiperinflação e de termos sido vítimas de quase uma dezena de planos frustados de estabilização (do congelamento ao confisco das contas correntes e da poupança), todos arquitetados por economistas, ao longo dos últimos quinze anos.
Caso típico deste tumulto foi o que se viu e leu depois que o dólar flutuou e o real foi desvalorizado em janeiro. Um festival de previsões, a grande maioria catastróficas sobre o futuro da economia, sobretudo em relação à inflação que iria pipocar. Pouco tempo depois, quando o quadro começou a clarear, outro festival de previsões, dessa vez otimistas sobre a economia e a capacidade da inflação manter-se sob controle. O fato é que é preciso mais responsabilidade nesse debate e mais humildade para entender que a nossa realidade econômica não só mudou muito nos últimos anos, como se tornou bem mais complexa do que antes.
“Macroeconomistas erram porque lidam com uma realidade complexa a partir de modelos incompletos (…) a globalização aumenta a dificuldade, ao forçar o analista a fazer juízos sobre muitas realidades diferentes.”
Guilherme da Nóbrega, economista, citado por Clovis Rossi, Folha de S. Paulo, 31.12.97
Depois disso, o que dizer sobre a nova tese? Joelmir Beting, um dos mais conseqüentes e acessíveis comentaristas econômicos de que dispomos, sustenta que, apesar de a inflação do ano no consumo ter sido 6,4% (IPC-FGV) e a da produção ter sido 21% (IPCA-FGV), além do governo federal ter promovido um “tarifaço” nos preços administrados pelo setor público nos meses de junho/julho para cumprir as metas de superávit primário acertadas com o FMI, há três novos fatores na economia que não existiam há cinco anos e que ajudam a evitar o repasse dos preços da indústria para o consumidor: (1) os ganhos de produtividade da indústria, do comércio e dos serviços de apoio; (2) a mudança de comportamento do consumidor, mais informado, seletivo e exigente; e (3) o aumento da competição no varejo provocada pela chegada intensiva das grandes redes varejistas norte-americanas e européias. Além disso, a lógica política do real e, portanto, do governo FHC não comporta retorno da inflação. Se isso, porventura, viesse a ocorrer, dificilmente Fernando Henrique teria condições de concluir o seu mandato como chefe de governo. Tudo indica que não deve haver repique inflacionário, pelo menos por enquanto.