Após ter cometido o pior erro dos seus seis anos e meio de mandato e de ter ficado refém do mercado financeiro, assistindo a preocupante escalada do dólar, o governo Fernando Henrique Cardoso retomou, na semana passada, a iniciativa no comando da economia.
É verdade que a crise da Argentina tem se arrastado mais do que o previsto e que a desaceleração econômica dos EUA tem se mostrado um pouco mais acentuada do que o estimado no início do ano, mas o grande fator desestabilizador dos prognósticos e responsável pela rápida deterioração das expectativas foi a burrada do racionamento de energia. Com isso, o governo maculou a sua aura de competência técnica e sinalizou para os agentes econômicos que estava fraco, inclusive para influir nos rumos da sua sucessão.
Como em política e em economia não existe vácuo, o mercado começou a testar a capacidade do governo em manter o controle da situação econômica. Resultado: o preço do dólar comercial que já vinha há tempos em alta começou, nos últimos dias, a bater recordes sucessivos, chegando a atingir uma desvalorização acumulada de cerca de 40% se comparado com o preço de agosto/2000 (R$ 2,468 contra R$ 1,774), sendo 27% em 2001 e 4% só nos 19 primeiros dias de junho.
Com as medidas anunciadas na quinta-feira 21.06.2001 pelo Banco Central, o governo tenta retomar a iniciativa na condução da política econômica.
“…o presidente do BC foi incumbido de dar um sinal de que o governo está vivo e que ainda é capaz de tomar iniciativas.”
Claudia Safatle, Valor Econômico, 23.06.2001
Já na quarta-feira o BC, contrariando sua recente postura gradualista de 0,5 ponto percentual por vez, promoveu o aumento de 1,5 ponto na taxa básica de juros, elevando a Selic para 18,25% ao ano.
Na quinta, Armínio Fraga e a diretoria do BC vieram a público em entrevista coletiva anunciar, após acerto feito com o FMI, um pacote de dólares da ordem de US$ 10,8 bilhões para “irrigar” o mercado carente e combater a especulação com a moeda norte-americana. Como resultado, o dólar entrou em queda até chegar, no final da sexta, aos R$ 2,31. No jornal O Globo de 24.06.2001, fontes do BC divulgaram que o governo se comprometerá com o FMI a chegar ao final do ano com o dólar cotado a R$ 2,15. O mercado duvida e aposta em R$ 2,30. De qualquer forma, já é uma importante mudança de expectativa para uma cotação que havia batido em R$ 2,50 e continuava sinalizando para cima.
Na sexta, para finalizar a ofensiva governamental, o ministro Pedro Malan anunciou o Proer “chapa banca”, um programa de saneamento dos bancos federais (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco da Amazônia e Banco do Nordeste) estimado em R$ 102 bilhões. Trata-se de uma grande operação de troca de dívidas e títulos “podres” em poder desses bancos por títulos bons do Tesouro Nacional. Diz o governo que esse era o último dos “esqueletos” ainda escondidos nos armários da República. Ao assumir esse passivo, o governo exigiu dos bancos o compromisso de zelarem doravante pela qualidade de suas operações de crédito. Vamos ver.
Não resta dúvida de que essas medidas vieram em boa hora. Todavia, elas nada podem fazer em prol do crescimento da economia, gravemente atingido pelo racionamento de energia. A projeção de crescimento do PIB da ordem de 4,5% para 2001 está fatalmente comprometida. Se tivermos sorte, o PIB crescerá entre 2,5% e, no máximo, 3%. O que, definitivamente, é lamentável.
O governo Fernando Henrique Cardoso inicia o seu ocaso sem completar a obra a que se comprometeu: estabilização com crescimento sustentado. Na reta final, antes de fazer o balanço de seus erros, optou, mais uma vez, pela manutenção da estabilidade. Vamos torcer, pelo menos, para que o consiga sem maiores atropelos.