Passada a data comemorativa da Proclamação da República (até há alguns anos um dia também dedicado à votação e, portanto, o dia por excelência do exercício da democracia representativa), vale aproveitar a oportunidade para alguns comentários sobre o exercício da autoridade como elemento-chave para a vida social e organizacional e, sua hipertrofia, o autoritarismo, como elemento pernicioso à competitividade.
Não é fácil falar do tema no Brasil, um país de arraigada tradição autoritária. A própria República foi proclamada de forma autoritária, num episódio confuso, mais parecido com uma quartelada, praticado para derrubar outro regime autoritário, a Monarquia.
Falar do tema é difícil porque, entre nós, não se destingue naturalmente autoridade de autoritarismo. E, talvez, por causa disso, surja, de vez em quando, a tentação de defender a supressão da autoridade, pelo “fim da hierarquia”, como medida organizacional “democrática”. Peter Drucker já foi enfático e praticamente definitivo sobre a questão.
“Ouve-se falar muito hoje em dia sobre o ‘fim da hierarquia’. Isso é bobagem pura e simples. Em qualquer instituição é preciso que haja uma autoridade final, ou seja, um ‘chefe’ alguém que, numa situação de perigo comum, tome a decisão final e possa esperar ser obedecido.”
Peter Drucker, mestre da administração
O exercício da autoridade, comumente chamado de liderança, é condição necessária ao funcionamento organizacional. Pode-se dizer que é o “cimento” da organização. Tirá-lo é desagregá-la, abusar na dose é engessá-la.
A medida certa da autoridade é algo difícil de especificar inclusive porque é mais fácil ser autoritário do que exercer a autoridade (vale dizer, a liderança) estimuladora. É mais fácil dizer “é pra fazer como eu estou mandando” do que explicar os porquês. Dá trabalho convencer. Pode parecer humilhante ter que dizer as razões e a necessidade das coisas… O sociólogo Richard Sennet, autor do livro recém publicado no Brasil, “Autoridade” (Editora Record), diz em matéria do jornal Valor, 16.11.2001:
“A autoridade pode transformar-se num processo de criação, desarticulação e reformulação de significados (…) esse é o trabalho árduo, incômodo e amiúde amargo da democracia.”
Richard Sennet, sociólogo norte-americano
A democracia é trabalhosa, sem dúvida, mas liderada pelo exercício estimulador da autoridade, é hoje em dia, também, uma condição de sobrevivência empresarial e, porque não dizer, social. Empresas engessadas pelo autoritarismo, bem como sociedades, não conseguem agilidade e desenvoltura suficientes para competir. Gastam mais tempo, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, com problemas internos que com os externos (esse, sim, cruciais para a sobrevivência) . E o pior, em se tratando de organizações: problemas velados, resistências caladas, prejuízos ocultos. Falsa e perniciosa passividade.
“Há duas espécies de cidadãos: os ativos e os passivos. Governantes preferem os últimos; a democracia necessita dos primeiros.”
John Stuart Mill, 1806-1873, filósofo inglês
Ao contrário do lugar comum e, mesmo, da nossa experiência histórica, as empresas competitivas são empresas onde se exercita a democracia e onde o exercício da autoridade é claro e estimulante. Empresas em que as pessoas são ativas, discutem e constróem. Sem falsas “igualdades” ou modismos “participativos” mas com o compromisso de construir um futuro competitivo. Em outras palavras, com o compromisso de avançar. Com autoridade bem exercida.