Em homenagem ao Dia do Trabalho, comemorado na semana passada, o Gestão Hoje dedica o presente número a algumas reflexões sobre o tema. A primeira delas refere-se à própria origem da palavra:
“A palavra trabalho deriva do latim tripalium, um antigo relho utilizado em torturas e punições.”
Maria José Bretas Pereira, consultora mineira
O próprio dicionário Aurélio, define deste modo a origem da palavra trabalhar: “do latim vulgar tripaliare, martirizar com o tripaliu”. Não deixa de ser sintomático que, pelo menos no idioma português, o sentido original da palavra esteja ligado a martírio, obrigação, castigo.
E como se isso já não fosse bastante, para nós brasileiros, o caldo engrossa muito mais quando damos uma, ainda que rápida, espiada na nossa formação histórica e verificamos como o trabalho sempre foi algo culturalmente pouco valorizado. No seu excelente livro “Parceiros do Rei: Herança Cultural e Desenvolvimento Econômico no Brasil” (Editora TopBooks, Rio de Janeiro, 1995), José Júlio Senna cita o espanto de um cronista inglês observando o Brasil do século passado:
“Em 1846, Thomas Ewbank notaria que ‘um jovem preferia morrer de fome a abraçar uma profissão manual’ era considerado excessivamente degradante o aprendizado de um ofício. Segundo ele, ‘a tendência inevitável da escravidão, por toda parte, é tornar o trabalho desonroso… e os brasileiros recuam com algo semelhante ao horror diante dos serviços manuais.'”
José Júlio Senna
Que situação para um país que precisa de muito trabalho para se desenvolver. Além de castigo, por força das peculiaridades históricas e da herança colonial e escravista, o trabalho para os brasileiros passou a significar também desonra.
Ainda bem que herança histórica não significa destino irreversível. Mudar essa forma de ver o trabalho é custosa mas, não é impossível.
Hoje em dia, o desafio é não só remodelar essa herança histórica como ir mais além, ainda, e incorporar a concepção contemporânea de trabalho que a chamada sociedade da informação está ajudando a gestar. Domenico De Masi, sociólogo italiano que vem puxando o debate sobre o tema, defende a tese de que o trabalho irá, cada vez mais, se confundir como tempo livre.
“…No futuro será impossível distinguir estudo e trabalho de tempo livre.”
Domenico De Masi
Defende ele que a intelectualização do trabalho é uma tendência irreversível. Ou seja, todo trabalho não intelectual tenderá a ser feito por máquinas e, assim, o trabalho relevante tenderá a situar-se “dentro da cabeça”. Com isso, o estaremos levando para toda parte. Daí, ficar difícil separar quando estaremos trabalhando, estudando (uma necessidade dos novos tempos) ou nos divertindo.
Curiosamente essa nova concepção de trabalho, segundo o próprio De Masi, tende a “casar-se” bem com o jeito brasileiro de ser. Assim, esse nosso “defeito” histórico pode terminar por nos ajudar face às novas exigências. Jean-Christophe Rufin, médico francês e um dos principais ativistas da ONG Médicos Sem Fronteiras dá um depoimento interessante a esse respeito.
“Viajei muito por todo o mundo, mas acho que nunca encontrei um país tão singular quanto o Brasil … Adoro este jeito dos brasileiros de romper a oposição trabalho/lazer, esta forma de construir e criar coisas maravilhosas…”
Jean-Christophe Rufin