Ao contrário do que ocorreu nos meses anteriores à eleição, os chamados mercados financeiros deram, na semana passada, sinais de boa vontade para com o presidente eleito.
O dólar, em queda, atingiu o patamar dos R$ 3,60 (depois de chegar a beirar os R$ 4,00, semanas antes). O risco-país do Brasil retrocedeu ao patamar dos 1.700 pontos (depois de ter chegado próximo aos 2.500 antes). A bolsa de valores ultrapassou os 10.000 pontos (depois de ter descido próximo aos 8.000). São valores que ainda estão bem fora dos padrões considerados razoáveis pelos analistas mas que parecem sinalizar para um início de volta à racionalidade econômica. Afinal, os chamados “fundamentos” da economia brasileira, bem melhores do que a ignorância ou a esperteza dos analistas e investidores, estrangeiros principalmente, faziam crer, são muito diferentes (para melhor) dos da Argentina (a referência usada pelos “terroristas” financeiros para manipular os indicadores).
Nesse início de retorno à racionalidade, marca-se um ponto para a movimentação inicial do presidente eleito e de sua assessoria imediata. Sem deixar de imprimir a marca da nova gestão que se iniciará em janeiro (sobretudo com o anúncio da prioridade ao Projeto Fome Zero), o presidente eleito e a coordenação da equipe de transição reafirmaram, com a necessária ênfase, o compromisso com a estabilidade macroeconômica.
Foi um bom começo de ensaio para o duro jogo que acontecerá em 2003, num momento em que todos os olhos estão voltados para a movimentação dos novos atores da cena política nacional. Comparações não faltam, a começar pela tola semelhança com o presidente Hugo Chávez da Venezuela, com quem o presidente eleito Lula se juntaria para formar, com Fidel Castro, o “eixo do mal”.
Comparações são importantes para pensar o futuro mas precisam ser feitas com critérios minimamente consistentes, como parece ter feito o embaixador Rubens Ricupero, secretário geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento), ao classificar de “inédita” a chegada de uma pessoa de origem operária à Presidência da República.
“O embaixador comentou que, depois de ter pesquisado muito, só encontrou uma situação semelhante à de Lula, que foi a eleição do sindicalista Lech Walesa, do Sindicato Solidariedade, como presidente da Polônia.”
Estado de São Paulo, 27.10.2002
Walesa, eletricista dos estaleiros Gdansk, chegou ao poder mais de uma década após liderar em 1980 as primeiras greves dentro da Cortina de Ferro, desafiando o regime comunista de Moscou ao criar o Sindicato Solidariedade, depois transformado no principal partido político da Polônia. Implantou reformas necessárias mas impopulares, perdeu a reeleição para os comunistas que ajudou a derrubar e, no último pleito que disputou em 2000, teve menos de 1% dos votos. Hoje, o partido Solidariedade é uma mera sombra do que foi antes.
Para o bem do seu governo e do país, Luiz Inácio Lula da Silva precisa ir além da comparação e do destino histórico de Walesa. Deve, talvez, mirar-se em exemplos mais exitosos como o de François Mitterrand, líder histórico do partido socialista francês que, como ele, fez várias tentativas antes de chegar à Presidência e reelegeu-se fazendo um governo de reformas. Ou no de Gerhard Schröder, premier alemão, como ele de origem humilde e de esquerda, que impôs-se com um programa econômico consistente e, recentemente, reelegeu-se. Ou no de Tony Blair, talvez o mais adequado, que à frente da reforma do partido trabalhista inglês, sucedeu uma década de domínio conservador, manteve os avanços realizados, ajustou o que foi preciso e está em vias de se reeleger pelos bons resultados conseguidos.
A história pode ser fonte de inspiração e exemplo a ser superado. Esperemos que o novo governo saiba bem usá-la, marcando um outro tempo, o do nosso futuro.