Antes mesmo de começar, o governo Lula já tinha conseguido, em comum acordo com o governo passado, aumentar os juros. Depois de assumir, promoveu mais dois aumentos seguidos. Além disso, radicalizou o ajuste fiscal, adotando e praticando um superávit primário maior do que o acertado com o FMI.
O argumento usado para a prática de uma política macroeconômica mais austera do que a do governo FHC foi o correto e necessário combate à inflação que, desde meados de 2002 com a disparada do dólar, ameaçava fugir do controle. Desde sua hora inicial, o governo entendeu que ou segurava a inflação ou corria o sério risco de não concluir o seu mandato. E fez isso preferindo errar por mais que por menos. Como resultado deste empenho, ocorreram coisas boas e coisas ruins.
Os aspectos positivos foram: (1) a queda do dólar (que dá sinais de querer se estabilizar abaixo dos R$ 3,00); (2) a queda do risco-país (que chegou a atingir o patamar dos 700 pontos, dois mil pontos abaixo do pico atingido no ano passado); (3) a melhora do preço dos C-Bond, principais títulos da dívida externa do país negociados no exterior (numa valorização de mais de 34% em 2003); e (4) início da queda dos índices de inflação (em maio o IGP-M, que havia alcançado o pico de 5,19% em novembro, foi negativo em 0,26%). Além disso, observou-se um distensionamento das expectativas do mercado financeiro internacional para com o país.
Os aspectos negativos, estão começando a aparecer agora: (1) um início de recessão (o crescimento do primeiro trimestre deste ano foi 0,1% inferior ao ocorrido no último trimestre do ano anterior); (2) o aumento do desemprego (bateu em abril, na Grande São Paulo, seu recorde histórico: 20,6%, segundo o Dieese, e 14,3%, segundo o IBGE). (3) encurtamento do crédito (que atingiu em abril 23% do PIB, a menor taxa desde 1994 – só para se ter uma idéia comparativa, nos EUA essa taxa é de 145% do PIB). No país todo, dissemina-se um clima de paralisia e de exaustão pelo altíssimo nível dos juros.
De fato, embora a taxa básica (Selic) esteja em 26,5% ao ano, os juros do crédito ao consumidor atingem 66%, do capital de giro 74%, da pessoa jurídica 78%, da pessoa física 158% e do cheque especial 209%.
O endurecimento da política macroeconômica levada a efeito pelo governo Lula, que tem feito ouvidos de mercador aos reclamos dos parlamentares do PT, dos empresários da Fiesp, do seu próprio vice José Alencar e de uma boa parcela da sociedade organizada, parece enquadrar-se na teoria do bode na sala.
A história, do folclore político internacional, é resumidamente a seguinte: um cidadão do campo pede uma audiência ao governante e reclama dizendo que, nos últimos tempos, sua vida só tem piorado e os únicos bens que lhe restam são sua pobre casa, onde abriga-se, apertada, a família e um bode que cria com esforço no quintal. O governante recomenda colocar o bode na sala da casa e voltar dali a um mês. Passado o período o homem volta e, respondendo como estão as coisas, diz que pioraram muito. O governante recomenda, então, tirar o bode e voltar dali a uma semana. No retorno, perguntado sobre a situação, o homem responde que melhorou muitíssimo.
Guardadas, evidentemente, as devidas proporções, o que parece estar acontecendo é algo semelhante. O governo Lula, escudado na sua enorme popularidade, tomou as medidas duras que precisava tomar logo no início e está forçando um pouco a mão para, quando soltar, além da evidência dos resultados necessários, sentir-se o alívio da descompressão, semelhante à retirada do bode da sala. Os juros estão fazendo o papel do bode.
Vamos torcer para que essa tática dê certo, os juros comecem a baixar a partir do próximo mês e a fase 2 da política econômica se implante, com o país voltando ao pleno crescimento em 2004 como planeja o governo. Muito depende, todavia, da favorável evolução do quadro internacional, ainda envolto em acentuadas incertezas.