Se a conjuntura política já estava conturbada depois das denúncias do deputado Roberto Jefferson sobre a existência do “mensalão”, o caldo entornou de vez com seu depoimento no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, semana passada. Uma coisa verdadeiramente impressionante.
“Poucas vezes apresentou-se em público um espetáculo tão revelador dos bastidores de Brasília e das relações espúrias entre o Executivo e o Legislativo. Chegou a ser didático. Às vezes parecia reunião para ensinar como usar dinheiro ilícito de campanha, caixa 2, doações e compra de votos.”
Zuenir Ventura, jornalista, O Globo , 15.06.2005
As acusações feitas pelo ex-presidente do PTB são gravíssimas e se tiveram o dom de atingir em cheio o governo Lula, a ponto de provocar a queda do ministro da Casa Civil, o poderoso José Dirceu, atingiram também, frontalmente, a instituição do Parlamento, a classe política e suas práticas de atuação.
“Tudo o que foi relatado – mesmo se o mensalão for completa fantasia – mostra uma doença crônica: a falta de fronteira entre público e privado, a promiscuidade no uso da coisa pública para atender interesses privados, o uso de todos os cargos de direção nas empresas públicas, de todos os postos-chaves da administração direta e indireta para arrecadar dinheiro para os partidos.”
Miriam Leitão, jornalista, O Globo, 15.06.2005
Independente das repercussões que a presente crise trás para o governo e do abalo que provoca na governabilidade, uma coisa é indispensável destacar: o sistema político no Brasil na forma como está configurado, além de disfuncional, é favorecedor de todo o tipo de desvio e incongruência, a começar pelo esquema mais do que suspeito de financiamento das campanhas políticas (ver a respeito números anteriores do Gestão Hoje 472, 473 e 503). Daí, a importância capital de se aproveitar essa oportunidade para avançar na reforma política.
“Uma investigação exemplar e a punição dos envolvidos nos escândalos recentes são cruciais para a saúde política e econômica do país no longo prazo, mas não serão suficientes. (…) É preciso atacar também as fontes que geram oportunidades para episódios como esses. Precisamos de uma reforma política que aumente a fidelidade partidária, diminuindo a possibilidade de um deputado leiloar a sua entrada para um outro partido pouco depois de ter sido eleito, e que restrinja as legendas de aluguel. É necessário também diminuir a proporção de cargos públicos sujeitos a nomeação política.”
José Alexandre Scheinkman, FSP, 19.06.2005
Além de uma necessária faxina ética, o esforço que será feito com a realização de, pelo menos, uma Comissão Parlamentar de Inquérito, deve produzir também uma proposta séria de reforma política que vá até a raiz do problema. A sociedade brasileira, com o peso majoritário da opinião pública, exige isso. Está na mão da classe política uma oportunidade ímpar para fazer avançar o processo representativo. Caso contrário, continuaremos atolados no pântano em que se transformou o sistema político no país.
“Todos os governos recentes sofreram com essa irracionalidade que caracteriza o sistema político brasileiro e que só poderá ser resolvida com o sistema de voto distrital misto combinado com fidelidade partidária e financiamento público de campanhas.”
Luiz Carlos Bresser Pereira, FSP, 19.06.2005