Três meses depois de ter explodido com a divulgação de uma fita de vídeo em que um diretor dos Correios aparece embolsando uma propina de R$ 3 mil, a crise política produz relatório parcial conjunto das CPIs dos Correios e do Mensalão acusando 18 parlamentares por quebra de decoro parlamentar, candidatando-os à perda dos mandatos por cassação.
Ao mesmo tempo, percorre o país de ponta a ponta um sentimento de que se está preparando uma grande pizza para livrar os acusados das penas a que estão sujeitos. A imprensa noticia, o próprio presidente da Câmara dos Deputados defende publicamente a tese e as pessoas dizem umas para as outras, entre ressentidas e resignadas: “isso não vai dar em nada”.
Até que ponto estão com a razão? O Gestão Hoje, diante da gravidade da crise, defende o ponto de vista de que não há mais lugar para pizza (ver número 546). Entretanto, é preciso considerar também que não vai ser dessa vez, como não foi de vezes anteriores, que se vão resolver todos os problemas do Brasil. Também não se pode querer que o Congresso, espelho da sociedade, se comporte como uma corte de país desenvolvido.
“… nós somos brasileiros não somos suecos. Vamos parar de exigir que as coisas sejam diferentes no Congresso.”
Tales Alvarenga, Veja, 07.09.05
Aos descrentes, vale lembrar que muitas coisas aconteceram, e com uma rapidez e profundidade nunca vistas antes, nesses três meses de crise. Se, por um lado, três meses parecem muito tempo para produzir um relatório com algumas indicações para cassação de mandatos parlamentares, por outro é, também, muito pouco tempo para ter produzido tudo que já foi produzido até agora.
Em apenas três meses, desbaratou-se o esquema de financiamento levado para o governo pela mesma cúpula que o havia implantado no Partido dos Trabalhadores. Em apenas três meses foi desnudado de modo praticamente completo o “valerioduto” montado para pagamento de parlamentares na boca do caixa e em espécie. Em apenas três meses o país tomou conhecimento, perplexo, de um esquema inusitado de montagem de maioria parlamentar que objetivava a reeleição do presidente Lula e, depois, a eleição de José Dirceu para sucedê-lo (nada mais legítimo, aliás, se não fosse o método de conseguir essa maioria: compra de apoio com pagamentos regulares a parlamentares, com dinheiro conseguido por meios não declarados).
De quebra, o país viu espantado a queda do todo-poderoso ministro da Casa Civil, a queda de toda a cúpula dirigente do PT, a incrível sucessão de depoimentos de personagens dos mais variados tipos e origens nos plenários das CPIs e nas diversas outras instâncias de apuração, parlamentares ou não.
Tudo isso, repita-se, é muita coisa para tão pouco tempo. Agora, com certeza, não é suficiente para purgar todos os nossos males. Nem se pode ter esse tipo de ilusão. Um passivo de séculos de subdesenvolvimento econômico e, sobretudo político, não vai ser quitado de uma hora para outra. Como dizia o genial dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues: “subdesenvolvimento não se improvisa; é obra de séculos”.
Muita água ainda vai rolar sob a ponte do mensalão mas já dá para constatar aquilo que outro genial brasileiro, Darcy Ribeiro, disse e no Gestão Hoje já foi repetido diversas vezes: o Brasil evolui “aos trancos e barrancos”, ou seja, com as dificuldades e apesar delas. Por isso, paciência! Uma coisa é certa: ninguém precisa ficar resmungando que “tudo vai dar em pizza”. Já não deu.
Tão ruim quanto essa tradição de avançar tão devagar que não parece haver avanço é o estado de espírito recorrente daqueles que, diante dos avanços tímidos, só vêem retrocesso. Uma recomendação: esqueçam a velocidade. A radicalização do ideal de mudança veloz só trará como resultado mais desilusão. Com o fim do sonho do PT, foi-se embora a última das ilusões de mudança rápida. Vamos continuar avançando na velocidade que dá para avançar.