Sem moralizar o financiamento eleitoral vamos continuar sendo um país de 2a. classe

 
Uma semana para telespectador nenhum botar defeito. No país das novelas, a crise política tem produzido capítulos mais surpreendentes a cada semana que passa. Mas, à frente dos dramaturgos, inclusive os amadores, quem tem se destacado, mesmo, são aqueles que sabem usar o humor para apontar o inusitado da situação.
“No Brasil falta tudo, menos enredo.”
Millôr Fernandes, revista Veja, 17.08.05
É o próprio Millôr, agora no papel de pensador social, desempenhado tão bem quanto o de humorista, quem chama a atenção para uma coisa não compreendida pelos que tomam conhecimento da crise política e acham que o que está acontecendo no Brasil é algo inusitado.
“A gente não precisa, também, ficar tão desolado com a corrupção no Brasil, porque a corrupção é eterna e universal.”
Millôr Fernandes, Rádio Cultura FM/SP, 07.07.02
De fato, apesar de ser algo endêmico, estreitamente vinculado ao nosso processo de formação histórica (ver, a propósito, o GH/552), a corrupção no Brasil, conforme aferição feita pela Transparência Brasil (www.transparencia.com.br) é menor do que a do grupo dos chamados emergentes.
“O Brasil recebeu avaliação superior à dos outros integrantes do grupo da moda: os BRICs. China, Rússia e Ã?ndia tiveram avaliações piores do que a do Brasil.”
Gesner Oliveira, economista, FSP, 03.09.05
Todavia, embora melhor do que a dos concorrentes, a avaliação é muito ruim em termos absolutos. O campeão de transparência é a Finlândia que obteve a nota 9,7. O Brasil aparece com nota 3,9 em 59o. lugar, dos 145 pesquisados. O último colocado é Bangladesh, com nota 1,5. Como ninguém tirou 10, então, se deduz que nenhum deles está imune à corrupção institucional que começa, na administração pública, de forma invariável, pelo financiamento das campanhas eleitorais.
“Nenhum país vive sem escândalos que envolvem a retribuição dos financiamentos eleitorais na ação pública ou no comportamento do político nas votações.”
Bruno Speck, cientista político alemão, IstoÉ,14.09.05
Há muito que o Gestão Hoje vem tratando da questão (ver, em especial o número 503) e assinalando que enquanto o assunto não for seriamente enfrentado ninguém pode ter a esperança de melhoria. Essa é, justamente, a grande contribuição que a mais recente crise política traz para a democracia brasileira: “mostrar as vísceras” (como diz a revista Forbes Brasil) do monstro imoral do financiamento de campanhas no Brasil e lançar luz sobre o inevitável “compromisso” do partido que assume o governo com o alcance, direto ou indireto, das finanças públicas. Frei Betto, com a autoridade de quem foi assessor do presidente Lula, ocupando, inclusive, a sala ao lado da dele no Palácio do Planalto, vai ao centro da questão.
“Um novo projeto [para o] Brasil implica rediscutir a relação entre partido, governo e Estado. Sem essa clareza, a promiscuidade entre as três instâncias envelhece precocemente qualquer projeto de mudança…”
Frei Betto, escritor religioso, FSP,05.09.05
Sem uma reforma política que ataque minimamente essa questão, continuaremos sendo, em termos de transparência pública, um país de segunda classe. Vamos ver se todo esse vexame ao qual está sendo exposta a classe política já surte algum efeito na próxima eleição.

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