Paris é uma cidade-símbolo da civilização ocidental. A “cidade luz”, onde nada parece estar fora do lugar e a cultura e a história têm a sua estadia privilegiada. Um lugar onde é difícil imaginar gente queimando carros e prédios públicos…
“Quem visita Paris geralmente nem fica sabendo que existem os banlieues, como um cinturão de desespero e mágoas em volta da cidade, ou imagina o papel do racismo nesta sociedade tão civilizada.”
Luiz Fernando Verissimo, coluna de 13.11.05
Pois foi exatamente dos banlieues, os subúrbios de Paris e de outras grande cidades da França, que explodiu uma revolta que já atingiu mais de 300 cidades francesas, 30 das quais com toque de recolher decretado, chegou ao centro da capital e expandiu-se para Bélgica, Holanda, Inglaterra, Alemanha e Grécia. Até o domingo 13.11, tinham sido queimados na França mais de 8.000 carros e contabilizados prejuízos da ordem dos 300 milhões de euros. O que aconteceu?
“A França virou refém de uma onda de agressão gratuita (…) por jovens negros e de origem árabe, na maioria muçulmanos, que se dizem excluídos da sociedade. Em grande parte, eles têm menos de 20 anos de idade, não estão organizados em gangues ou máfias, não são extremistas religiosos nem políticos e não fizeram demandas específicas.”
Adriana Brasileiro, colaboradora da FSP, 08.11.05
O estopim dos conflitos foi a morte acidental de dois jovens perseguidos pela polícia em um banlieu de Paris e as declarações do ministro do interior Nicolas Sarkozy que chamou os descendentes de imigrantes de “escória”. Uma “escória” que representa 10% da população francesa e tem um índice de desemprego três vezes superior à média nacional (em torno de 10%). Entre os jovens, o desemprego chega a 50%. Um caso clássico de exclusão econômica e social reforçado pelo preconceito.
Pelas entrevistas que foram feitas com os jovens incendiários percebe-se, claramente, que não há nenhuma ideologia mais sofisticada na revolta mas, sim, um quase verbalmente inexprimível desejo de inclusão na sociedade francesa. Um anseio de igualdade de oportunidades que lhes é social e economicamente negada. Aí, a comparação com o Brasil é inevitável.
“O que está acontecendo em Paris e em outras cidades francesas parece a repetição, sem o morro, da situação das favelas do Rio de Janeiro ou de outras regiões do Brasil em que o estado já não controla nem tem, como seria de rigor, o monopólio do uso das armas.”
Clóvis Rossi, jornalista, Folha de S. Paulo, 08.11.05
A revolta brasileira já se expressa há anos, a prestação, na violência cotidiana e na falta de segurança geral. Não é só uma questão policial, embora também o seja e muito. Trata-se de uma grave problema de inclusão sócio-econômica, posto em forma de enigma, como diz o coordenador da ONG carioca Observatório das Favelas:
“Ou o deciframos ou seremos devorados por ele.”
Jailson de Souza, GloboNews, 13.11.05