Na semana passada o Banco Central divulgou uma notícia que tem um valor simbólico muito grande: no mês de janeiro, pela primeira vez na história do Brasil, o país passou de devedor a credor externo. Ou seja, a dívida externa brasileira sumiu.
“Na ponta do lápis, os créditos em moeda estrangeira do governo e das empresas brasileiras (reservas internacionais, depósitos bancários no exterior e empréstimos concedidos lá fora) superam a dívida externa em 4 bilhões de dólares. O que foi eliminado é a chamada dívida externa líquida, na qual se calcula o total de débitos (198 bilhões de dólares) menos o total de créditos (188 bilhões de reservas internacionais do Banco Central e 14 bilhões de dólares de empresas e bancos aplicados lá fora).”
Revista Veja, 27.02.08
A importância simbólica da notícia deve-se ao fato de que, junto com a inflação, a dívida externa sempre foi considerada pelos analistas como o principal entrave ao crescimento da economia brasileira desde o início da década de 1980. Na época, um número cabalístico ficou gravado na mente de quem acompanhava o problema: US$ 100 bilhões. Era uma dívida considerada impagável que levou a duas moratórias e diversos acordos com o FMI, a maioria não cumpridos. A dívida externa transformou-se no pesadelo econômico de toda uma geração de brasileiros preocupados com o futuro do país. “A minha geração viu quando a dívida engoliu o Brasil. Nada aconteceu de repente, há anos a dívida externa tinha deixado de ser o problema, mas o marco desta última semana não foi menos emocionante.”Miriam Leitão, O Globo, 24.02.08 Esse feito historicamente notável, embora não espetacular em virtude de ter sido conseguido paulatinamente, deveu-se a uma correta atuação do Banco Central na esteira da grande valorização internacional das commodities brasileiras.
“Um dos itens que mais pesou na redução da dívida externa líquida foi o aumento das reservas internacionais, principal ativo brasileiro no exterior. No final de 2002, essas reservas estavam em US$ 16,3 bilhões, e a dívida externa líquida era de US$ 165 bilhões. De 2003 para cá, porém, o crescimento da economia mundial ajudou a impulsionar as exportações brasileiras que se tornaram grande fonte de divisas do país. Aproveitando essa elevada entrada de capital, O BC passou a comprar dólares no mercado de câmbio para reforçar as reservas em moeda estrangeira.”
Folha de S. Paulo, 22.02.08
Claro que, por tratar-se de uma conta corrente (haveres menos deveres), uma grande operação de dívida privada, por exemplo, com o exterior poderia, em tese, fazer voltar o sinal negativo. Mas o que importa é que o fantasma foi exorcizado e, o mais irônico, no governo de um presidente do PT que, até pouco antes de chegar ao poder em 2002, defendia aberta e explicitamente não pagar a dívida externa. Por isso o episódio mostra que, cada vez mais no mundo globalizado, a estabilidade macroeconômica independe de ideologias. É uma questão de soberania nacional, independente do partido no poder.