Rio de Janeiro mostra que não existe crime organizado mas estado desorganizado

A “facilidade” com que foram tomados a Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão evidencia muito mais a inoperância “interessada” do estado do que a organização do tráfico de drogas
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Depois de baixada um pouco a poeira da operação policial-militar que resultou na ocupação do Complexo do Alemão no Rio de Janeiro, é possível fazer algumas considerações sobre o problema do combate ao tráfico. A primeira delas é que, pelas imagens vistas, há uma certa exorbitância em se falar de “crime organizado” como muito bem define o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora.

“A primeira lição que se depreende é a de que não existe, verdadeiramente, crime organizado, mas estado desorganizado.”

Ricardo Vélez Rodrigues, Estado de S. Paulo, 01.12.10
Como se pode chamar de “crime organizado” um bando de contraventores maltrapilhos fugindo atabalhoadamente de uma favela para outra depois que percebeu que a invasão da polícia não era com o “caveirão” do BOPE mas sim com blindados da Marinha? Afinal, um “exército” minimamente organizado e treinado não debandaria daquela forma humilhante. Os estudiosos do assunto têm insistido na fragilidade da organização criminosa.

“É um erro pensar nas facções como empresas com linhas hierárquicas organizadas. Elas se conectam fragilmente.”

Gláucio Soares, sociólogo, UPERJ, Valor, 29.11.10
Se isso é verdade como mostram as eloqüentes imagens divulgadas pela televisão, então a pergunta que não quer calar é: como é que se deixou a situação ficar da forma que ficou? Afinal, apesar da desorganização aparente, aquele “exército” mambembe de cerca de, segundo o cálculo dos especialistas, 600 indivíduos que vimos debandar não se formou de repente.

“Não se faz um exército do tamanho que foi visto na Vila Cruzeiro da noite para o dia. São necessários anos de letargia do poder oficial para que o poder paralelo finque suas raízes e expanda os seus domínios.”

Revista Época, 29.11.10
A leniência, a irresponsabilidade e o desleixo público deixaram, ao longo de décadas, que essa situação de domínio territorial de amplas áreas da segunda mais importante cidade do país chegasse a um estágio em que as chamadas UPPs apenas conseguem tratar de uma parcela ínfima do problema.

“Até a operação no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro, das 1.006 favelas do Rio, a milícias dominam 41,5%; o tráfico, 55,9%; e as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), 2,6%).”

Folha de S. Paulo, 30.11.12
O trabalho, portanto, é gigantesco menos até pelo tráfico do que pelas milícias como mostrou muito bem o excelente filme “Tropa de Elite 2”. Afinal, de acordo com os estudiosos, frente às milícias formadas por policiais e bombeiros, o esquema de ocupar território com “exércitos” armados pelo tráfico é excessivamente dispendioso e está se tornando rapidamente antieconômico.

“Se houver de fato intenção de resgate do Estado, será preciso mais coragem do que ocupar o Complexo do Alemão. Será preciso enfrentar todas as distorções de uma estrutura de segurança pública herdada da ditadura, e todos os problemas a ela agregados pela omissão ou por acordo de governantes e políticos – e até de juízes – com o crime organizado.”

Jornal Valor, 30.11.12
Portanto, apesar de louvável, a recente ação carioca é apenas um começo que passa, inclusive, pela discussão sobre a descriminalização das drogas. Ainda há, portanto, um longo caminho pela frente.

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