Novas nuvens negras


O cenário financeiro internacional que permanecia nublado e sujeito a pancadas esparsas desde o furacão asiático de outubro/97 escureceu novamente, de forma ameaçadora, com a quebra estrondosa da Rússia.
O governo russo decretou uma reestruturação unilateral dos seus títulos em rublos, o que resultará em perda para os investidores internacionais, de acordo com estimativas recentes, da ordem de US$ 50 bilhões. O próprio mega investidor internacional George Soros já admite perdas de US$ 2 bilhões dos seus fundos de investimento.
Resultado: novamente o Brasil, com a sua crônica vulnerabilidade estrutural (déficit público de 7% e déficit em transações correntes de cerca de 4% do PIB) fica na linha de fogo de um ataque especulativo contra sua moeda, a despeito de suas reservas cambiais, no início de agosto próximas a US$ 70 bilhões (US$ 18 bilhões a mais do que em novembro/97).

“A crise é global, e afeta Rússia, Ásia e América Latina. O Brasil, porém, é o maior problema, porque é o maior país, e tem grandes déficit público e dívida interna. Mesmo que tenha muitas reservas, isso pode não significar nada na hora de um ataque. A melhor defesa para o Brasil seria promover fortes reformas fiscais imediatamente, mas há uma eleição pela frente, e a sensação é de que o governo não tem como lidar com esta situação.”

Veronica Berger Collins, da Foreign & Colonial, investidora londrina, Gazeta Mercantil, 27.08.98

O governo brasileiro já andou tomando medidas para atrair e manter dólares no país, inclusive em relação ao chamado capital especulativo de curto prazo, depois dos sustos tomados na sexta-feira 21.08.98, quando as bolsas de valores tiveram seus pregões interrompidos ao atingirem a 10% de queda, e na quinta 27.08.98, quando o índice fechou em 9,9%, as maiores perdas desde o auge do furacão asiático. Entretanto, ninguém pode dizer ainda o que mais vai precisar ser feito. A tempestade externa está em formação e é difícil antecipar sua magnitude e seus desdobramentos.

“Não se caracteriza ainda um colapso, um “crash” mundial. Se isso acontecesse, porém, o real estaria inteiramente vulnerável, haveria um corte instantâneo no futuro do programa de privatização, porque uma coisa é você privatizar com mercados em alta, outra é vender no meio de um colapso. Tente leiloar alguma coisa na Rússia, hoje. Ninguém quer comprar.”

Paulo Guedes, ex-Banco Pactual, banqueiro de JGP Nextar, ISTO É Dinheiro, 26.08.98

A linha direta de defesa pelo governo do plano de estabilização na certa terá a seguinte seqüência: (1) medidas de manutenção das reservas (que já estão sendo tomadas); (2) combate frontal com as reservas a um ataque especulativo (já se falou em US$ 10 bilhões de estoque para isto); (3) novo aumento dos juros; e finalmente (4) a tão temida desvalorização cambial, com todo seu cortejo de males.
Na trincheira das empresas, resta torcer (a única coisa que é possível fazer agora) para que a situação se acalme, o pior não aconteça e haja o mínimo de tempo para uma transição não-traumática. Se tudo “correr bem”, o próximo governo terá que agir rápido.

“Não anunciar um pacote corajoso seria impensável. A conjuntura internacional é ruim e não vai melhorar depois das eleições. Acabou o espaço de manobra.”

Paulo Leme, diretor de mercados emergentes da Goldman Sachs, Nova York, Gazeta Mercantil, 27.08.98