Distância suficientemente boa

 
Tancredo Neves foi um político emblemático da segunda metade do nosso século. Ministro de Justiça do presidente Getúlio Vargas, recebeu das mãos dele, momentos antes do mais rumoroso suicídio da história republicana, a caneta com a qual teria sido assinada a famosa carta-testamento. Parlamentar destacado, governador de Minas Gerais, presidente eleito, Tancredo, adoecendo na véspera da posse, morreu sem realizar o sonho para o qual se preparou a vida inteira. Todavia, deixou um legado político que inclui diversas histórias, observações sagazes e frases que lhes são atribuídas, dentre elas a seguinte:

“Em política, não se deve estar tão próximo do aliado a ponto de não poder vir a tê-lo como adversário, nem tão distante do adversário que não possa vir a tê-lo, no futuro, como aliado.”

A outro político republicano, esse do início do século, o senador gaúcho José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915), é atribuída uma observação que guarda semelhança com a anterior. Conta-se que certa vez, saindo de casa em direção ao Senado da República no Rio de Janeiro, observou no portão um conjunto de manifestantes que haviam se juntado para protestar contra a posição do senador em relação a uma determinada causa (Pinheiro Machado era famoso por sua personalidade polêmica que teria, inclusive, influenciado na forma como morreu: apunhalado pelas costas no saguão de um hotel no Rio). Perguntado pelo motorista sobre que velocidade imprimir ao veículo onde estavam teria dito:

“Nem tão rápido que pareça medo, nem tão lento que pareça provocação.”

Essas duas citações são para ilustrar uma faceta da realidade empresarial no que diz respeito à tomada de decisão pelos gestores (de qualquer nível hierárquico): nunca é possível estabelecer com precisão o ponto mais adequado, o momento certo, a distância suficientemente boa. Toda e qualquer decisão, por mais embasada que esteja, envolve, sempre, um componente de imprecisão do qual é impossível escapar. Em termos probabilísticos, é possível dizer que toda e qualquer decisão é uma “aposta” que incorpora um inevitável grau de risco.

“Negócios não são como jogar dados no sentido restrito mas são como jogar dados no sentido de que tem que tomar uma decisão cujo resultado é incerto…”

Peter L. Bernstein, consultor econômico, autor do Livro “Desafio dos Deuses: A Fascinante História do Risco”, Editora Campos, Rio de Janeiro, 1997

Seja a “distância” de Tancredo, seja a “velocidade” de Pinheiro Machado, seja a decisão mais corriqueira ou mais essencial do dia-a-dia empresarial, não há como escapar da imprecisão que, claro, pode ser maior ou menor conforme o volume e o nível das informações disponíveis, além do tempo dedicado à reflexão individual e coletiva. É evidente que quanto melhor informação e mais tempo, tanto mais qualificada tende a ser a decisão. Mas não se deve ter a ilusão ou o desejo de eliminar o risco. É impossível. Se servir de consolo, vale a obervação abaixo:

“Muitas vezes, encontramos líderes que nos dizem: ’se o mundo soubesse como, realmente, eu tomei determinada decisão; se soubessem que eu considerei os fatos, mas, na hora de decidir, apoiei-me em uma outra razão, não sei bem por quê’… E funciona assim mesmo.”

Laurent Lapierre, professor-pesquisador titular da Escola de Altos Estudos Comerciais da Universidade de Montreal-HEC, autor do livro “Imaginário e Liderança”, revista Amanhã, janeiro 2000