Quem faz o que gostanão precisa ter que trabalhar

 
No lugar da milenar contradição trabalho x lazer, o sociólogo italiano Domenico De Masi propõe o conceito de ócio criativo: “aquele que junta trabalho, lazer e estudo na mesma atividade”. Mais do que isso, diz aos quatro ventos, como fez recentemente em entrevista para  revista Veja, que é, justamente, no Brasil que o seu conceito tem mais futuro:

“…considero o Brasil como o país que corresponde melhor a minhas idéias. Quando o povo organiza os desfiles de Carnaval, está praticando ócio criativo. O Carnaval do Rio é a expressão mais completa do ócio criativo. Gera riqueza, divertimento e conhecimento. E é popular, extremamente popular.”

Domenico De Masi, Veja, 27.03.2002

Essa afirmação é ainda mais curiosa quando sabemos (como foi salientado no Gestão Hoje 377) que, desde a colonização, o trabalho foi considerado uma coisa aviltante, indigno de quem era “filho de algo”. Clóvis Cavalcanti, economista da Fundação Joaquim Nabuco, Recife, acrescenta uma importante informação à discussão do assunto:

“Os índios brasileiros não têm uma palavra para trabalho. Não existe para eles a dicotomia trabalho-lazer. É tudo uma mesma coisa, ou seja, viver a vida.”

Clóvis Cavalcanti

Será que, por obra e graça de nossa peculiar formação histórica, a mistura produzida pelo nativo que desconhecia a diferença entre trabalho e lazer, pelo colonizador aventureiro e avesso ao trabalho sistemático, e pelo escravo importado que, mesmo diante das condições mais adversas, manteve seu espírito lúdico ancestral, terminou por produzir um povo singularmente preparado para a sociedade pós-industrial?
Esse, sem dúvida, é um assunto dos mais interessantes e digno da atenção de pensadores do quilate de Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro. O futuro dirá se a intuição de Domenico De Masi tem ou não sentido.
O interessante de discutir no presente é essa questão da dicotomia trabalho x lazer, ou melhor, da tríplice articulação trabalho-lazer-estudo como quer De Masi. A questão trata, essencialmente, da não oposição entre esses “estados”, como na concepção de mundo do índio brasileiro.
Em recente workshop sobre administração do tempo e qualidade de vida, uma participante, gaúcha, concordando com o raciocínio de que administra melhor o tempo e sua própria vida quem trabalha com o que gosta, citou uma frase dita a ela por seu próprio pai, em forma de conselho:

“Procura fazer o que gosta. Assim, tu não vais mais precisar trabalhar.”

Sílvio Schuler

Claro que dizer isto é bem mais fácil do que praticar. Todavia, uma coisa é certa: se a pessoa está fazendo um trabalho de que não gosta ou que considera um suplício, não há ninguém que possa tirá-lo dessa situação senão ela própria.
Para administrar o tempo, por exemplo (o recurso mais escasso de que dispomos), não há melhor maneira do que fazer um trabalho de que se gosta, que é uma coisa lúdica e, não, um estorvo. Todos nós já tivemos essa experiência relativista com o tempo: uma hora passada fazendo uma atividade chata é bem mais longa do que uma hora fazendo uma atividade que dá prazer.
Donde se conclui que lutar para trabalhar com algo que seja prazeroso é, não só uma necessidade prática como uma obrigação que cada um tem consigo próprio. A observação da vida real tem demonstrado que quem estabelece isso como meta consegue, ainda que demore algum tempo.