Crônica de uma guerra anunciada e ruim para o Brasil

 
Uma sombra paira sobre o desempenho de curto e médio prazos do governo Lula: a guerra dos EUA e aliados contra o Iraque.
Ao promover, na semana que passou, o maior aperto fiscal da era do Real, elevando a meta de superávit primário das contas públicas de 3,75% para 4,25% do PIB, com um conseqüente contingenciamento do orçamento da ordem de R$ 14 bilhões, o governo federal já se prepara para o pior cenário da guerra.
Segundo a principal agência de classificação de crédito do planeta, a Standard & Poor’s, numa guerra rápida, as conseqüências não seriam grandes mas, numa prolongada, a solvência de países muito dependentes de financiamento externo como o Brasil e a Turquia estaria seriamente ameaçada.

“Um ataque militar ao Iraque atingirá mais o Brasil do que os países do Oriente Médio, pelo menos do ponto de vista econômico e financeiro.”

Folha de S. Paulo, 13.02.2003

Segundo a agência, se as medidas de ajuste fiscal promovidas pelo governo Lula não se traduzirem em uma queda do risco-país, fazendo-o baixar dos atuais 1.300 pontos (o que significa, na prática, pagar a proibitiva taxa de 13 pontos percentuais acima do que paga o Tesouro dos EUA nos empréstimos que o país conseguir contrair no exterior), é muito provável que, com uma guerra prolongada, o Brasil tenha que pedir socorro, mais uma vez, ao FMI.
Só para se ter uma idéia da desproporção, enquanto o risco Brasil está nesse patamar alto, tendo chegado, inclusive, próximo dos 2.500 pontos no segundo semestre de 2002, o do México está hoje na casa dos 300 pontos.
As chances efetivas de ocorrência da guerra, embora já tenham sido maiores antes da reunião do Conselho de Segurança da ONU na última sexta-feira e das enormes manifestações ocorridas em algumas das mais importantes cidades do mundo (inclusive dos EUA) neste fim de semana, ainda são bastante altas.
Tudo por conta da determinação, algo ensandecida, do presidente George W. Bush de atacar o Iraque quase a qualquer preço. Olhada à distância, essa determinação assemelha-se à intenção de preparo de um repasto cujo prato principal é político e a sobremesa econômica.
A motivação política de Bush denuncia-se diante da constatação de que antes dos atentados de 11 de setembro sua credibilidade era das mais baixas da história. Foi a guerra contra o terrorismo que emprestou-lhe estatura política de estadista. Agora, com a aproximação da disputa reeleitoral, sua lógica mental deve deixá-lo convencido de que nada como outra guerra para fortalecê-lo na disputa. Como diz a sabedoria popular: para quem só sabe manejar o martelo, tudo lhe parece prego.
Comido o prato político principal, serve-se a apetitosa sobremesa econômica. O Iraque, apesar de, por restrições decorrentes do embargo econômico a que está submetido desde a guerra do Golfo, ser apenas o 12º produtor mundial de petróleo, é detentor da segunda maior reserva de óleo do planeta, ultrapassado apenas pela Arábia Saudita. Um prato cheio de “guloseimasâ€? para um país que importa 60% do petróleo que consome e que tem um presidente oriundo da indústria petrolífera.
O problema das guerras é que, para além das lógicas política e econômica, elas despertam forças sem controle. Como em qualquer disputa, sabe-se, numa guerra, como se começa mas não se sabe, nunca, como nem quando se termina.
Resta torcer para que a grande oposição que a intenção de George W. Bush tem despertado ao redor do mundo contribua para dissuadi-lo, e a seu estado maior, da deflagração de uma guerra que, apesar de ter sido anunciada à exaustão, pode ser evitada pela ação eficaz dos meios diplomáticos tradicionais e que já estão em plena atuação. Os brasileiros agradecem se a solução se der pela via pacífica.