Com o primeiro sucesso político,o governo Lula anima-se para avançar

 
Com a aprovação, sem grandes concessões, da reforma da Previdência, em primeira votação na Câmara do Deputados, o presidente Lula obteve a primeira grande vitória política de seu mandato.
Com isso, depois de um período em que o governo ficou acuado pelas manifestações públicas contrárias à reforma e pelo recrudescimento dos movimentos dos sem terra e sem teto, o presidente animou-se a falar para o país pela TV e a conceder sua primeira entrevista exclusiva à revista Veja.
Entre um balanço dos sete primeiros meses de governo e uma análise das expectativas da população, falou sobre a perspectiva da retomada do crescimento.

“Quando tomei posse, tinha clareza de que o primeiro ano de governo seria dedicado à construção do alicerce daquilo que será feito no ano seguinte. Um dos pilares era justamente controlar a inflação. Outro era reduzir a taxa de juros.”

Luiz Inácio Lula da Silva, Veja, 20.08.2003

Pelas contas do presidente, qualquer coisa relacionada à retomada do crescimento econômico só para o próximo ano. Outros, menos otimistas, falam em alguma coisa positiva só no segundo semestre de 2004. Com isso, ficaria adiado, por pelo menos um ano, o “espetáculo do crescimento”, prometido meses atrás, pelo próprio presidente para o segundo semestre de 2003.
Mesmo os comentaristas mais otimistas não chegam a falar em nada superior a 3% de crescimento da economia em 2004, contra alguma coisa até menor que 1,5% este ano. Isso, quando, segundo os especialistas, apenas para absorver a força de trabalho que entra anualmente no mercado, torna-se necessário um crescimento anual acima de 6%.
No momento a economia está tecnicamente em recessão, com dois trimestres consecutivos de crescimento negativo. Estão sendo batidos recordes de queda do poder aquisitivo (crescimento negativo de 13% da renda média mensal em um ano), desemprego (13%, segundo o IBGE), quedas das vendas, aumento de cheques sem fundos etc.
A situação é de tal modo preocupante que o economista Paulo Guedes faz um alerta enfático:

“Ao mesmo tempo que comemora a inversão de expectativas inflacionárias, agora rumo a taxas anuais de um dígito, o país registra a menor taxa de investimento como proporção do PIB desde 1994. Isso quer dizer que a nossa capacidade de crescimento está comprometida e esse é o maior desafio do governo Lula.”

Paulo Guedes, revista Exame, 20.08.2003

Conseguir dar a largada do desenvolvimento sustentado, depois de ter feito a lição de casa da estabilização e das reformas, é, de fato, o grande desafio do governo Lula, sem o que terá falhado. É preciso não esquecer que Lula foi eleito para ir além da estabilidade. A estabilidade da economia é condição necessária para o sucesso do governo mas não suficiente. Lula foi eleito para promover o desenvolvimento com estabilidade e maior inclusão social.
A questão é que não há mais muito tempo para fazer o que precisa ser feito. Embora, ao que tudo indica, o governo tenha andado, até agora, pelo caminho certo, a margem para acertar no fundamental está ficando curta.

“Ao governo Lula não resta muito tempo pela frente. Se nos próximos dez, oito meses, não resolver reorientar o rumo das políticas econômicas e avançar profundamente nas sociais, (…) quando quiser fazê-lo chegará o momento em que será muito tarde.”

Atilio Boron, sociólogo argentino, FSP, 20.08.2003