Todo o avanço verificado ao longo das últimas décadas relativamente à participação das mulheres no consumo e na gestão empresarial (ver o Gestão Hoje anterior, número 525) não foi acompanhado de uma reorganização das responsabilidades privadas que permitissem a utilização social do tempo de um modo mais adequado à nova realidade feminina.
“O mundo público foi invadido pelas mulheres, mas a vida privada continuou estruturada, em termos de emprego de tempo e assunção de responsabilidades, como se as mulheres ainda vivessem como suas avós, como se nada estivesse acontecido (…) Definiu-se como igualitário um mundo em que as mulheres teriam ‘apenas’ que continuar a fazer o que sempre fizeram, adicionando às suas vidas afazeres até então reservado aos homens.”
Rosiska Darcy de Oliveira
A frase acima é do livro “Reengenharia do Tempo” de Rosiska Darcy de Oliveira (Editora Rocco, Rio de Janeiro, 2003) que aborda de modo bem original a questão da reorganização do tempo diante da nova realidade social impactada pela ascensão das mulheres no mercado de trabalho.
De fato, junto ao desafio já expressivo de conquistar um lugar num mundo profissional moldado pelo padrão masculino, junta-se, em decorrência, um outro também não menos exigente: encontrar tempo para dedicar à família e à organização da vida doméstica. E, aí, não se trata só de redivisão de trabalho com os homens: a maternidade e suas decorrências, por razões óbvias, não pode ser delegada.
Esses desafios são de tal ordem expressivos que nem mesmo o mais empedernido dos machistas, em sã consciência, seria capaz de desconhecer.
A tese de Rosiska é que esses não são só desafios das mulheres mas de toda a sociedade, incluindo, sobretudo, os homens.
“A reengenharia do tempo vai-se impondo como condição necessária à sobrevivência social e psíquica das mulheres, ao equilíbrio das famílias, à eqüidade nas relações de gênero e à melhor qualidade de vida da sociedade.(…) Não são as mulheres e tampouco a família que precisam se reorganizar em razão de um mundo do trabalho que permanece imutável. É o mundo do trabalho e a sociedade como um todo que precisam se reorganizar em razão da família que mudou.”
Rosiska Darcy de Oliveira
É claro que este não é um problema simples de resolver nem se restringe, apenas, à adoção de boas técnicas de administração do tempo. Trata-se de um desafio monumental, civilizatório mesmo, que não se esgota nos limites das diferenças de gênero nem de apenas uma geração. Mas é preciso ter consciência dele, falar dele, para começar a tratá-lo e não imaginar que diz respeito a um problema só das mulheres na sua luta contra os homens por espaço social e poder.
“Há trinta anos, a mídia mal informada difundiu a idéia de que as mulheres lutavam contra os homens, quando na verdade estavam lutando a seu próprio favor. Hoje é possível esperar que, a médio prazo, venham a ter os homens como os seus principais aliados, porque a pauta de transformações que estão apresentado à sociedade, empresas e poderes públicos é uma recuperação, para homens e mulheres, nada mais, nada menos, do que do tempo de viver.”
Rosiska Darcy de Oliveira