A crise, por maior que pareça, é uma evidência do amadurecimento da sociedade

 
Mensalão, mensalinho, lista de deputados para cassação, prisão de político acusado de corrupção, pesquisa recente do Ibope apontando que 90% dos brasileiros não confiam nos políticos e que 88% não vêem com bons olhos os partidos.
“Assessor, no Congresso, atendendo o telefone: ‘probo? Não senhor. Aqui não tem ninguém com esse nome!'”
Millôr Fernandes, Veja, 07.09.05
A blague do Millôr encontra eco porque tudo faz aparentar que a política e os políticos chegaram ao fundo do poço. É voz corrente na imprensa e em meio à opinião pública mais esclarecida que hoje há um deserto de homens e idéias na política nacional. Política que já produziu figuras da estirpe de JK, Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, só para ficar nos mais recentemente citados.
“As fachadas estão podres. Caem os tapumes. E com eles os pequenos homens e suas pequenezas. Severino não é Ulysses. Lula não é JK.”
Tânia Fusco, Blog do Noblat, 12.09.05
Apesar das mais eloqüentes evidências, todavia, esse sentimento de “fundo de poço” merece alguns questionamentos. O principal deles é sobre o fato de a corrupção ser hoje maior do que antes. A respeito disso, basta lembrar nada menos que o final da famosa carta de Caminha, verdadeira certidão de nascimento do país:
“Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que d’Ela receberei em muita mercê.
Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.”
Pero Vaz de Caminha
300 anos de colônia, 400 de escravidão e 500 de patrimonialismo não se apagam da vida de uma nação como que por encanto. A corrupção é entre nós endêmica, desde o guarda da esquina que recebe um “agrado” para não aplicar uma multa de trânsito até o representante do mais alto escalão da República, seja no Legislativo, no Executivo ou no Judiciário, que pede uma “ajuda” para conceder algo ilegal a alguém. Se a sociedade é assim, porque no Congresso Nacional haveria de ser diferente?
“O Congresso é o nosso espelho. Fomos nós que o elegemos.”
Tales Alvarenga, Veja, 07.09.05
O que há hoje de diferente, isso sim novo na sociedade, é a consciência crescente de que não dá mais para as coisas continuarem assim, sem que haja punição para o descaramento e a corrupção deslavada. Trata-se do crescente desenvolvimento da consciência cívica e da ampliação da sensibilidade política, acompanhado pelo aumento da exposição da corrupção na mídia.
“Quanto mais a população desenvolve sensibilidade política, mais a corrupção se torna um problema para os governos.”
Bruno Speck, cientista político alemão, IstoÉ,14.09.05
É isso que ela está começando a ser: um problema para os governos, por força do aumento da consciência cidadã. E esse caminho é irreversível. O problema é que quem está dentro do processo não percebe direito os avanços e tende a achar que a “coisa está pior”. Não está. A própria revista Veja, como a imprensa de um modo geral, tão pródiga em denúncias, na edição desta semana corrobora a tese do avanço. Vale a pena conferir