A estreita diferença entre a admiraçãoda tropa e a defesa de suas arbitrariedades


Perguntado a que atribuía o fato de as platéias do filme Tropa de Elite chegarem a aplaudir cenas de tortura e excessos cometidos pelos policiais, o secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, disse em entrevista à revista Veja da semana passada: 

“A duas causas. Em primeiro lugar, acho que é o efeito de uma sociedade que apanhou muito. Ela não agüenta mais ser barbarizada nas ruas pelos bandidos. E, depois, porque a polícia aparece numa outra perspectiva, que até aqui não se via.”

José Mariano Beltrame, Veja, 31.10.07

De fato, a cada dia o medo aumenta. Praticamente não se encontra mais ninguém que não relate pelo menos uma história de violência pessoal ou sofrida por pessoas muito próximas. O que há muito poucos anos era uma exceção, hoje é regra. Não é nenhum exagero afirmar que a sociedade encontra-se completamente refém da violência e da falta de segurança. Toda caminhada é medrosa. Todo semáforo é um susto. Num ambiente como esse, uma polícia não corrupta e eficiente aparece como uma visão da tranqüilidade perdida. Do ideal de uma sociedade segura a que todo cidadão de bem tem direito.

“Pela primeira vez a violência tornou-se a preocupação número 1 do país. Para 59% dos cidadãos, a falta de segurança é um problema maior que o desemprego ou os baixos salários.”

Veja, 17.10.07

Pesquisa do Instituto Vox Populi, a pedido da revista Veja, constata que 79% dos entrevistados dizem que o filme mostra, de fato, como a polícia é; 72% consideram que os traficantes do filme são tratados como eles merecem; 53% julgam o capitão Nascimento (personagem principal do filme) um herói; e 47% acham que a tortura é um meio aceitável para obter a confissão de um bandido. Por esses números entende-se o clima de entusiasmo com que boa parcela da sociedade passou o tratar o Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais, a tropa de elite do título) e o capitão Nascimento. Crianças imitando o capitão, grupos correndo pela rua cantando a música dos “homens de preto” no filme, até trajes eróticos alegóricos à farda do Bope esgotados em sex shops…

 

“Homem de preto, qual é sua missão? / Entrar na favela e deixar corpo no chão / Homem de preto, o que é que você faz? / Eu faço coisas que assusta satanás.”

Refrão do Bope, Tropa de Elite

Nada contra a integridade ética nem a eficiência, muito pelo contrário. Nada contra as manifestações de apoio e admiração, por mais exageradas que possam parecer. Nada contra nem mesmo às preferências fetichistas, por mais esquisitas sejam. Mas tudo contra a exorbitância e a arbitrariedade representadas no filme pela tortura, como bem destaca o ouvidor da polícia de São Paulo, Antonio Funari Filho.

“Quem comete tortura e mata é bandido, está desrespeitando a lei. Tortura não é admitida nem na guerra.”

Antonio Funari Filho, Portal G1, 06.10.07

Há uma linha muito tênue entre o exagero da admiração, a defesa da tortura e o apoio à eliminação sumária de suspeitos. Nenhuma sociedade, por mais conflagrada que esteja, constrói nada de consistente sobre a prática do desrespeito à lei, em especial por quem tem a responsabilidade constitucional de garanti-la. Basta ver a recente condenação da polícia britânica pela arbitrariedade da morte do brasileiro Jean Charles de Menezes. Há que lembrar: a arbitrariedade não conhece limites e sempre termina por reproduzir aquilo que combate.