De todo o abundante noticiário da Copa do Mundo da Alemanha, o que muito chama atenção é a teimosia do técnico Parreira na escalação da Seleção Brasileira e na insistência naquilo que a crônica esportiva nacional batizou de “quadrado mágico”. O excelente cartunista Chico Caruso, na primeira página de jornal O Globo da semana passada, expõe em charge os integrantes do famoso “quadrado”, acorrentados uns aos outros, com o Ronaldinho Gaúcho perguntando ao técnico:
“Professor, dá pra me liberar do quadrado mágico pelo menos para fazer pipi?”
Chico Caruso, O Globo, 22.06.06
Mas, além da teimosia, o que chama também a atenção, e bastante, é a impressionante capacidade de mobilização nacional que os jogos da seleção provocam no país inteiro. O que estaria por trás de um fenômeno desta natureza? Logo um tipo de atividade que, se olhada fora do contexto, parece tão sem graça, como destaca o antropólogo Roberto DaMatta em seu livro mais recente.
“Como atividade, o futebol não é nada. Trata-se, como dizia aquele italiano ignorante que vai ao Pacaembu pela primeira vez, de um bando de 22 malucos correndo atrás de uma bola… Mas, nesse mesmo sentido niilista, o que seria ‘fazer política’, senão bater-papo, roubar o erário e convencer os outros dos nossos pontos de vista? E o que seria a moeda, senão um pedaço de papel pintado?”
Roberto DaMatta
O curioso é que por intrigantes razões sociológicas, o futebol terminou se tornando, por excelência, o esporte nacional na expressão do dramaturgo Nelson Rodrigues.
“A Seleção Brasileira é a pátria em chuteiras.”
Nelson Rodrigues
Porque isso ocorre é, hoje, tese de antropologia, exposta no livro “A Bola Corre Mais que os Homens”, Roberto DaMatta (Editora Rocco).
“É, pois, o futebol que engendra essa cidadania positiva e prazerosa, profundamente sociocultural, que transforma o Brasil dos problemas, das vergonhas, das derrotas, no país encantado das lutas, da competência e das vitórias. Uma coletividade que pode finalmente contar com suas próprias forças e talento. Com o futebol, o Brasil não se enche de vergonha — como ocorre no discurso dos políticos —, mas de orgulho, carinho e amor.”
Roberto DaMatta
Neste sentido, o futebol e, em especial, a Seleção Brasileira assumem o papel indutor de experiência patriótica sem igual.
“Foi, portanto, com o futebol que conseguimos no Brasil somar o Estado nacional e a sociedade. E assim fazendo, sentir pela avassaladora e formidável experiência de vitória em cinco Copas do Mundo a confiança na nossa capacidade como povo criativo e generoso. Povo que podia vencer como país moderno e que podia finalmente cantar com orgulho o seu hino e perder-se emocionado dentro do campo verde da bandeira nacional.”
Roberto DaMatta